A bandeira do medo no retrovisor

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Um miúdo norte americano sai de um gig num bar de jazz nos arredores de New Orleans, acabou de tocar com um grupo de amigos, uma banda que acelera o ritmo ao ritmo que ele mais gosta. A banda, Soulive, terminou o seu concerto já a noite ia longa. No seu carro, com o rádio desligado, revivia a máquina musical em que participou de engrenagem em engrenagem, dentro da caixa sonora, um concerto perfeito.

Uma luz vermelha e azul atinge-lhe o retrovisor, laivos da bandeira norte americana atingem-lhe a retina ao mesmo tempo que um pequeno calafrio lhe sobe pelas costas. É a polícia que o quer parar. Manda-o sair do carro para este ser revistado. O miúdo, um exímio trompetista, consciente dos seus direitos pergunta “porquê”, a mais razoável pergunta nestas circunstâncias. Mas para o polícia o lugar daquele miúdo não era interrogar a autoridade, era aceitá-la.

O que se seguiu foi conjunto de abusos, ameaças, e vexames que os pequenos poderes se oferecem no seu estado mais podre.

As ameaças foram sérias, quatro polícias apontam-lhe armas, insultam-no, querem-no de joelhos no chão, mãos na cabeça. Ele de cabeça elevada, punhos cerrados, olhos raiados de sangue, raiva e indignação. Querem-no num lugar, submisso, ele aprendeu a não ser submisso a ninguém, o seu avô foi o primeiro homem negro chefe de tribos índias nos estados unidos da América, no seu sangue corre sangue de vários lugares pelo mundo fora, Caraíbas, África, América indígena, mas a sua pele conta aos seus opressores uma história diferente, a de um rapaz num local onde não o querem.

No momento em que o ameaçam de morte uma última vez, e por sorte, o chefe da polícia está a passar, vê o cenário, nenhum dos polícias, estranhamente, decidiu informar a esquadra. Interveio, mandou o miúdo para casa, os polícias para continuar a ronda.

Nasceu a música Klu Klux Police Department (K.K.P.D.), o rapaz, um trompetista como já não se vê na cena do jazz norte americano há décadas, queria ter respondido com uma atitude mais drástica. Queria ter ido à esquadra confrontar o seu opressor. Ficou em casa, escreveu uma música, transformou o ódio em arte. É ouvir, e sentir um pouco aquilo que Christian Scott aTunde Adjuah sentiu e nos quer fazer sentir sobre opressão racial.

 

 

MIGUEL BORDALO