Não será novidade quando se afirma que a saúde mental poderá vir a ser uma das maiores crises deste século. A 10 de outubro, celebrou-se o Dia da Saúde Mental, e mais uma vez se recordou o estado das coisas e o muito que ainda falta fazer. Vemos regularmente estudos que comprovam cada vez mais que muitos portugueses sofrem com problemas de saúde mental. Quem são os mais visados? Mulheres, pessoas de classes mais pobres, e jovens.
Os jovens têm vindo a apresentar taxas de sofrimento psicológico bastantes superiores aos adultos. Para além de muitos sentirem que são infelizes, e terem regularmente sintomas de stress, irritação e ansiedade, são cada vez mais os que admitem autoinfligir-se. O suicídio já é das principais causas de morte entre os jovens, e seria imprescindível falar na pandemia covid-19, o fenómeno que mais afetou a saúde mental de toda a gente nos últimos tempos.
Cada vez se fala mais no caso da saúde mental no ensino superior. É bastante difícil para um estudante encontrar um serviço de psicologia acessível e gratuito. Nas faculdades portuguesas, é comum os departamentos ou núcleos de psicologia serem subfinanciados, o normal é haver não mais do que dois ou três psicólogos para toda a comunidade da instituição, incluindo alunos, professores e funcionários. As sessões costumam ser gratuitas, mas ainda há casos de faculdades em que os alunos têm de pagar para ter direito a uma consulta com um psicólogo. Por norma, as consultas são curtas, com pouca frequência e costuma ser difícil conseguir vaga.
A preocupação com o futuro é um dos principais fatores que leva a que muitos jovens se sintam infelizes ou deprimidos, sendo que a precariedade é a realidade da maior parte dos jovens empregados. Os salários são baixos e perto do salário mínimo, e aceitam-se estágios com condições medíocres porque se crê que isso os fará avançar na carreira. Trabalham-se horas a mais, e com com sobrequalificações em relação às funções que se exercem.
Nunca como hoje houve tantos jovens a ter mais que um emprego para se conseguir sustentar, como se vivessem “de ordenado em ordenado”, e mesmo assim muitos deles não conseguem pagar a casa onde vivem. Vive-se em todo um país uma verdadeira crise de habitação, e para além do quarto, os estudantes têm de arcar com despesas de alimentação, transportes e das propinas, que continuam a ser um entrave à frequência de estudantes no ensino superior.
Muitos jovens sentem pressão para ingressar no ensino superior aos 18 anos. A escolha é sempre difícil, e muitos estudantes acabam por sentir que estão num curso a que não pertencem. Sentem-se desiludidos com os resultados, que não são bons o suficiente, ou que o futuro não será como idealizavam, acabando por ter vontade de desistir.
No caso dos alunos deslocados, há às vezes o medo de não ter tomado a decisão certa, têm saudades da família e da sua terra e dificuldades em adaptar-se a uma nova vida. O caso dos trabalhadores-estudantes é ainda mais agravado. Com tudo o que têm de conciliar, acabam frequentemente por dormir pouco, o que pode levar à ansiedade ou até mesmo ao burnout.
As redes sociais também têm a sua influência. Os estudos revelam que são cada vez mais os jovens viciados nas redes sociais, onde vemos corpos e vidas perfeitas. Os likes dão-nos a validação que procuramos e que não encontramos no nosso dia-a-dia. Sentimo-nos miseráveis e que não pertencemos a um padrão. Em muitas escolas já se restringiu o use de smartphones nos intervalos, tal como proposto pelo Bloco, e os resultados têm sido bastante positivos.
As pessoas LGBTI e as minorias de género são também dos grupos mais afetados. O risco de suicídio é muito mais elevado em relação ao resto da população, e têm também piores condições de saúde, em particular por causa do medo de discriminação no acesso a cuidados.
O primeiro passo a fazer é pedir ajuda. Ainda hoje está muito presente o estigma, que impede muita gente de admitir que não se sente bem e que precisa de ajuda para poder cuidar de si mesmo. Por outro lado, muitos jovens não reconhecem que estão com sintomas de depressão e ansiedade, que confundem com cansaço.
Há anos que se fala em planos de investimento em saúde mental, no entanto, o número de psicólogos no SNS continua a ser muito baixo. Dos cerca de 27 mil profissionais inscritos na Ordem, apenas mil estão no SNS, o que leva a listas de espera enormes e que se opte por ir ao privado (pagando muito mais), ou para quem essa alternativa não for viável, que se fique sem consulta. O caminho para a melhoria da saúde mental tem de passar pela afirmação desta como um direito e não como um negócio, e quando os psicólogos forem encarados como os médicos de família. Toda a gente devia ter direito a um psicólogo desde que nasce, para consultar sempre e caso precise.
Talvez se acredite que investir dinheiro público em saúde mental é atirá-lo para um saco roto. Mas a verdade é que quando não se faz investimento e se deixam acumular problemas estruturais, a médio prazo esses problemas tornam-se muito mais caros do que o investimento inicial. Como dizia o ator João Reis, “aquilo que os governos vão gastar em comprimidos, consultas, revolta, radicalismo, intolerância, vai-lhes sair muito mais caro do que criar condições para as pessoas viverem com dignidade”.
Ninguém é feliz com a precariedade e com a pobreza, ainda para mais vendo à sua volta pessoas que já tudo têm. As pessoas com depressão e a tristeza ficam diferentes, sentem que já não vale a pena continuar e perdem o prazer de fazer seja o que for. Esta não é uma causa só dos doentes ou dos fracos, é uma causa de toda a sociedade, e a luta continuará todos os dias pelo direito à saúde mental.