A extrema-direita cresce eleitoralmente em toda a Europa

Em quase todas as eleições que aconteceram desde meados de 2022 em diversos países da

União Europeia (EU) a direita venceu e a extrema-direita cresceu. Eis um resumo dos resultados:

2022

-Suécia (Setembro): vitória dos sociais democratas, mas o partido de extrema-direita (Democratas Suecos) foi o segundo mais votado; coligação de direita no governo, com apoio parlamentar da extrema-direita.

-Itália (Setembro): vitória da coligação de direita e extrema-direita, com o partido de raízes fascistas Irmãos de Itátia (FdI) a ser o mais votado; governo de coligação de direita e extrema-direita.

-Letónia (Outubro): vitória do partido de direita (Unidade) e coligação de direita, centro e extrema-direita no governo.

-Dinamarca (Novembro): vitória do partido social democrata e coligação de centro esquerda no governo; no entanto, o novo partido de extrema-direita Democratas Dinamarqueses foi o 5º mais votado, com grande votação. 2023

-Estónia (Março): vitória do partido de direita, com o partido de extrema-direita a ficar em 2º lugar; coligação de direita, liberais e sociais-democratas no governo.

-Finlândia (Abril): vitória do partido de direita (Coligação Nacional) com o partido de extrema-direita (Verdadeiros Finlandeses) em 2º lugar; coligação de direita e extrema- direita no governo.

-Grécia (Junho): vitória com maioria absoluta, e governo, do partido de direita (Nova Democracia) que adoptou muito do discurso e causas da extrema-direita.

-Espanha (Julho): vitória do partido de direita (PP), mas ainda não há governo nem maioria clara no parlamento (embora o PSOE tenha uma hipótese de manter o governo, em coligação com o SUMAR).

Itália, Finlândia, Grécia e Espanha tiveram eleições onde venceu a direita e/ou a extrema-direita. Em alguns países a extrema-direita entrou pela primeira vez no governo, noutros os partidos de direita mais tradicional têm-se aliado a partidos de extrema-direita que antes rejeitavam. Isto tem acontecido quer a nível nacional quer a nível regional. Por outro lado, mesmo quando não entram para o governo (nacional ou regional) a extrema-direita tem conquistado mais lugares nos parlamentos. O partido Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, venceu pela primeira vez um pequeno distrito nas eleições distritais, com maioria absoluta, e ultrapassa atualmente o SPD do chanceler Olaf Scholz nas sondagens a nível nacional. Nos Países Baixos, o recém-formado Movimento dos Agricultores-Cidadãos ganhou as suas primeiras eleições provinciais em março. Em Espanha, onde ainda não existe governo formado, o partido de extrema-direita falangista perdeu deputados nas eleições nacionais, mas o voto foi transferido para o PP, partido da direita conservadora, que venceu as eleições sem maioria. Nas eleições regionais de maio, direita e a extrema-direita tiveram uma enorme vitória, aliando-se em algumas regiões para formar governo. Meloni consolidou o seu poder em Itália, um país do G7 (e Trump entretanto disputa a reeleição nos EUA…).

Este facto está já a ter consequências importantes quer ao nível das políticas da UE, quer ao nível das políticas nacionais dos diferentes países, em áreas que vão desde o combate às alterações climáticas até à necropolítica de emigração e asilo, passando pelos direitos das minorias de género e sexuais, os apoios sociais ou os direitos de minorias étnicas. A única área que estes partidos de extrema-direita, nacionalistas e nativistas, não têm colocado em causa é a obediência à ortodoxia económica neoliberal, a arquitectura da moeda única e a pertença à UE.

Ao nível do Conselho da UE, a maioria que já existia de governos de direita ou centro direita tem assim aumentado, colocando ainda maiores entraves a políticas europeias menos penalizadoras da população. Esta situação pode piorar gravemente no próximo ano quando da realização das eleições para o Parlamento Europeu (PE), que ganham por isso uma importância acrescida. Se o recente avanço da extrema-direita nas eleições nacionais serve para reforçar e extremar a maioria de direita no Conselho da UE, é importante que as eleições para o PE se traduzam num crescimento dos partidos de esquerda, que de algum modo impeça a hegemonia conservadora ao nível das instituições europeias.

No entanto, é sabido que o voto nas eleições para o PE é muito influenciado pela prática dospartidos políticos ao nível nacional. É esse o terreno principal e mais imediato da luta da esquerda para melhorar as condições de vida das populações de cada país, contribuindo também para reforçar o crédito das suas propostas a nível europeu e, desse modo, ganhar força e dimensão na disputa eleitoral europeia. A esquerda precisa recuperar terreno, a nível nacional, para políticas populares (salário, habitação, saúde) e democráticas (imigrantes).

De facto, a direita e a extrema-direita têm cada vez mais extremado as suas posições em questões culturais e sociais em parte para esconder a sua incapacidade de apresentar políticas para resolver problemas importantes da vida concreta das pessoas, que exigem escolhas orçamentais difíceis e coragem para afrontar o poder do patronato, das grandes empresas, da grande finança. Por isso procuram canalizar o descontentamento popular para as “guerras culturais” em torno do reforço dos traços identitários nacionalistas (religião, tradições, costumes, pertença étnica) e conservadores (defesa da família tradicional, contra a igualdade de género e direitos das minorias), centrando-se em políticas que desvalorizam a emergência climática, restringem a imigração, valorizam o punitivismo penal ou revertem direitos sociais das minorias. As agendas económicas da direita e da extrema-direita quase não se diferenciam e privilegiam as políticas de desregulamentação, de liberalização das leis laborais, de restrição e privatização do Estado social, de contenção orçamental à custa de quem trabalha. São quase inexistentes propostas para resolver os problemas da habitação, da saúde, do custo de vida ou da necessidade de imigração.

É exactamente aqui que está a força da esquerda e a forma de construir uma barreira que estanque o crescimento da direita e da extrema-direita: na capacidade de definir e defender políticas para problema da habitação – diminuindo o custo do acesso -, para o problema da saúde – melhorando as condições de trabalho dos profissionais do sector publico da saúde e aumentando o acesso e cobertura da população -, para aumentar os salários de quem mais precisa – redistribuindo mais radicalmente os lucros de uns poucos -, ou para definir uma politica de imigração democrática que promova sectores económicos prioritários, assegure condições de integração plena e vida digna, e defina rotas de entrada seguras e legais.

Para isso, só a esquerda tem uma posição clara a favor de uma tributação justa, do reforço do sector público e do investimento público, da captação de novas receitas pela tributação de lucros excessivos das grandes empresas e pela eliminação de paraísos fiscais ou trapaças legislativas ou reforçando a contratação e negociação colectiva. Só a esquerda tem a coragem de afrontar lóbis como o do alojamento local ou o poder das plataformas de aluguer de curta duração. Só a esquerda entende um hospital como um serviço público que salva a vida de todos e não uma empresa que persegue lucros tratando vidas privilegiadas. Só a esquerda defende que a resolução da crise climática seja financiada pelo capitalismo que a criou. Só a esquerda propõe políticas inclusivas que beneficiam todos, opondo-se ao discurso de medo e ódio da direita e extrema-direita e à sua política de salvaguardar os poucos que continuam a enriquecer à custa de muitos. Ou seja, só a esquerda tem capacidade de falar para todos os que vivem em situação económica mais difícil e de apresentar políticas que lhes permitam, também eles, viver uma vida boa.