“Estamos condenados aos lares?” – Novas políticas para outras respostas sociais

No âmbito do Fórum Socialismo 2023 senti-me desafiada a responder à questão “Estamos condenados aos lares?”… Admito que esta pergunta, assim formulada, me parece ter subjacente uma série de mitos e invisibilidades e, por conseguinte, de não verdades em relação ao envelhecimento. Nesta breve reflexão partilharei algumas delas, sem a ambição nem o interesse de ser exaustiva nesta identificação.  

Para iniciar esta reflexão penso que vale a pena sublinhar que a grande maioria das pessoas tem um envelhecimento saudável, ou seja, consegue viver de forma relativamente autónoma e independente até ao final da sua vida. Isto não significa que não possamos ir necessitando de apoio e cuidados específicos ao longo da vida, nomeadamente quando chegamos a idades muito avançadas, mas isso não implica que vamos precisar de apoio permanente e total. Desse ponto de vista, pode-se desde já responder que não, não estamos todos nem todas ‘condenadas’ aos lares, porque é possível que não sintamos a sua falta e que ao longo da nossa vida essa questão não se coloque.   

Também não estamos condenados aos lares porque também não existe – e não é necessária, como disse acima – capacidade para que todas as pessoas acedam à resposta social de ERPI – Estrutura Residencial para Idosos, comummente conhecida por Lar. 

Tendo como referência as condições de acesso à resposta social ERPI, que impõe os 65 anos como idade mínima de referência para que as pessoas possam integrar estas respostas (Portaria nº 67/2012, de 21 de março), vamos focar no presente e nas pessoas com 65 anos ou mais, ainda que saibamos que toda esta ampla questão implique muito mais do que delimitações etárias. Segundo dados disponibilizados na Pordata, em 2021, tinham 65 anos ou mais, em Portugal, 2.436.949 pessoas (https://www.pordata.pt/portugal/populacao+residente+total+e+por+grandes+grupos+etarios-513). Ora, a resposta social de ERPI tinha, no mesmo ano de 2021, capacidade para acolher 103.481 pessoas, num total de 2597 estruturas que disponibilizavam esta resposta (Carta Social, consultado em setembro de 2023). 

Se alargarmos a nossa análise para além das ERPI’s, vulgo, Lares, incluindo as respostas de SAD – Serviço de Apoio Domiciliário e Centro de Dia, percebemos que existia uma capacidade de resposta para 280.448 pessoas em 2021. 

Mesmo que queiramos ser otimistas, penso que será relativamente simples perceber, pela realidade do nosso país, que serão mais do que 11,51% das pessoas com 65 ou mais a precisar de recorrer a respostas sociais… E por isso poderá ser surpreendente que nos dados disponibilizados pela Seg. Social a taxa de utilização destas respostas, em conjunto, corresponda aos 72,1%. 

E é por isso que temos que ir um pouco mais a fundo na questão e temos que fazer mais perguntas, como por exemplo: Onde estão estas respostas? Como se distribuem no território? Conhecem as pessoas as respostas existentes e a que podem aceder? Encontrarão nas estruturas existentes respostas adequadas às suas necessidades e aos seus interesses? Como são as condições de acesso? E a qualidade dos serviços que prestam, será semelhante entre as várias respostas, mesmo dentro das mesmas tipologias? Será que, dentro de respostas de uma mesma tipologia, existirá diversidade suficiente para que não as possamos estereotipar? O que determinará as diferenças existentes? E sobre os recursos humanos destas respostas, o que sabemos? Em que condições trabalham as pessoas que prestam cuidados diretos a pessoas mais velhas, nomeadamente às que estão em situação de maior dependência? A quantas pessoas terá que responder ao mesmo tempo um/a único/a cuidador/a profissional?

E, já que estamos a fazer perguntas, sabemos quais são as “entidades proprietárias” destas respostas sociais em Portugal? Não sei se sabemos, mas os dados existem e estão disponíveis, e ainda bem, para consulta no site da Carta Social (https://www.cartasocial.pt/inicio). Deixo por isso, além de perguntas, o desafio de fazerem uma pesquisa pela Carta Social. Vejam, por exemplo, na freguesia em que residem, que respostas existem e atentem na designação das “entidades proprietárias”. Desvendo já que respostas que tenham como ‘entidades proprietárias’ instituições públicas são praticamente inexistentes, e que isto é transversal a todas as respostas sociais em Portugal, desde a infância à velhice. 

Portanto, este é um setor onde praticamente não existe resposta pública… e eu pergunto-me se isto não será um problema… E, mais do que isso, se isto não estará a ter impacto na forma como todo o setor funciona e está estruturado… E por isso, não obstante todas as questões que podemos colocar ao funcionamento em concreto da resposta social Lar, pergunto-me se a questão essencial será a ‘condenação’ a esta tipologia de resposta social ou se será um pouco mais abrangente do que isso… e se não valerá a pena prestarmos aqui um pouco mais de atenção… Nomeadamente agora que sabemos que não acordaremos na velhice num determinado dia longínquo, mas que vamos envelhecendo, naturalmente, e por isso, com a mesma naturalidade é preciso fazer este caminho paralelo e interrelacionado de cuidar do presente e preparar o futuro. Sobretudo agora, que novas possibilidades de respostas sociais começam a surgir.   

(Imagem retirada do Site da Carta Social, a 8.09.23)