Exijamos o impossível

Sejamos realistas, exijamos o impossível. Este foi um dos lemas que os milhares de estudantes, que, em maio de 1968, pegaram no mundo pelas suas próprias mãos e que nos mostraram o significado da rebeldia transformadora, nos deixaram. Cinquenta e cinco anos depois, o paradigma é completamente diferente: a mobilização parece fraquejar, a organização social estudantil não tem o mesmo poder, e tentam convencer-nos de que o neoliberalismo venceu a disputa das ideias, vendendo a ideia de que esta forma asfixiante de organização social é tudo o que nos resta.  

O caminho para contrariar estas narrativas já foi mais fácil do que é hoje. Desengane-se, no entanto, quem pensa que esta é uma batalha já perdida: quando vemos milhares de estudantes a contrair dívidas para pagar as propinas, quando frequentar uma licenciatura representa atualmente custos na casa de um salário mínimo nacional, quando vemos e sentimos a crise habitacional, sabemos uma coisa: existe uma maioria social que não aguenta mais viver assim e que anseia mudança. Existe, sobretudo, uma maioria social estudantil que precisa dessa mudança.  

É difícil, no entanto, fazer as pontes necessárias para a consciencialização e a organização estudantil que precisamos para criar a disrupção com as escolhas políticas que têm sufocado o nosso dia-a-dia. Temos bons exemplos de mobilização estudantil, certamente: não nos esquecemos das massas que encheram ruas a gritar que não existe Planeta B, da mesma forma que não nos esquecemos dos milhares de estudantes empenhados nas mobilizações anti-fascistas, anti-racistas, contra a LGBTIfobia e contra a especulação imobiliária. No entanto, é preciso estarmos cada vez mais atentos aos pequenos–grandes núcleos locais que disputam processos de politização intensos, sobretudo numa frente ampla unida de combate a este cenário de desresponsabilização política perante um Ensino Público que anseia revoluções.

 Precisamos de estar lá para relembrar que a Associação de Estudantes da pequena escola do Ensino Secundário pode e deve ser um agente político, para relembrar que o espaço escolar também é pelos estudantes organizado e moldado e que este deveria ser um espaço de debate sobre que modelo de escola queremos, que o desinvestimento nas infraestruturas de Ensino é um reflexo de escolhas orçamentais injustas, que os órgãos máximos das Universidades, como os Conselhos Gerais, têm reduzida representação estudantil graças ao Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior (RJIES), que as propinas pagas hoje com muito esforço e que as promessas da sua devolução atrasada não têm que ser um cenário sem alternativa, que as múltiplas opressões que sentimos no nosso dia a dia escolar não são inevitáveis e que tudo isto pode ser mudado apenas e só através de uma forma: através da força coletiva do protesto e da reivindicação. 

Certamente encontraremos no caminho quem partilhe destas preocupações de formas diferentes das nossas, ou até quem reconheça mérito nas preocupações, mas que tendencialmente não se organiza da mesma forma que nós. É também para essas pessoas que queremos estar lá: para relembrar que o ato de repensar, exigir e reinventar também é um ato radical e que a luta é um espaço coletivo de afetos, emoções, até mesmo um espaço de diferenças, mas sobretudo um espaço de reivindicações justas e urgentes. Porque para ultrapassar este cenário catastrofista que os estudantes vivenciam, será necessária muita força, paciência, diálogo, debate, mas também cruzar consciências e experiências coletivas de opressão perante todas as nossas diferenças. Certamente valerá a pena – pelos bons tempos que ainda estarão aí por vir. Não caminharemos sozinhos nestas trajetórias, até porque sozinhos não mudamos nada. E se 50 anos depois, nos dizem que mudar tudo isto é impossível, pois que não tenhamos dúvidas: queremos o impossível.