Eleições são amanhã, a campanha será longa

Depois de catorze governantes demitidos num ano, a sangria tinha estancado e a maioria absoluta parecia estar para durar. A investigação judicial ao primeiro-ministro ditou o fim, mas o próprio António Costa já admitiu que, mesmo sem a sua citação naquele parágrafo da PGR, dificilmente sairia incólume da residência oficial, onde o seu chefe de gabinete escondeu 75 mil euros em notas fugidas ao fisco. A maioria absoluta morreu de morte macaca. Os seus herdeiros colam-se ao ainda primeiro-ministro em gestão, mas o problema é mesmo a herança: um país deixado a empobrecer, a trabalhar para o quarto, para a renda ou para a prestação, com medo de precisar de uma urgência – e a receber doutrina: a “atração de investimentos” como lema de uma república destino de abutres.

Desde a marcação das eleições, o Bloco concentrou-se no balanço destes quase dois anos. Nunca aceitámos o “habituem-se!”, lançado por Costa como slogan do novo ciclo. Toda a arrogância que se previa, compareceu. E a anunciada ruína do SNS, que nos tinha levado a enfrentar a chantagem e a chumbar dois orçamentos, confirmou-se. Em 2022, o Bloco emagreceu, mas entra em 2024 com a coluna vertebral intacta.  

A vitória de Pedro Nuno Santos na disputa da liderança do Partido Socialista arruma o quadro da disputa. Está clara a tentativa de recentrar o discurso (apoios na ala liberal assumida, reuniões com patrões, vénias ao privado na saúde) e o esforço para corrigir a má imagem deixada pelos desastrados preparativos da privatização da TAP, que culminaram na sua saída do governo. Mas ninguém deve subestimar a capacidade da social-democracia para mobilizar o medo da direita e renascer das cinzas quando o fogo ainda crepita. Pedro Nuno Santos será transportado como uma viragem à esquerda e ainda conserva o prestígio de ter articulado pelo lado do PS as negociações que permitiram os acordos com os partidos de esquerda em 2015.

Neste quadro, o Bloco tem que ser capaz de representar as cores da esperança. Por muita verve socialista que o novo líder traga para os comícios, é o Bloco que pode responder no plano programático. Só o Bloco pode apresentar um programa económico que conjugue direitos do trabalho com objetivos climáticos, que levante a questão dos cuidados e da reconstituição dos serviços públicos e concretização dos princípios da vida boa: a ninguém faltará o que é essencial. Esse programa de rutura com a liberalização e com a política de fragmentação social em nome de direitos universais é a resposta à radicalização da direita.

O crescimento do Chega reconfigura um campo político (quem já esqueceu o discurso sobre subsidiodependência, anti-ciganos e de proteção da imunidade policial de Paulo Portas em 2011? O CDS intitulava-se então o “braço direito” da direita). Esse campo estará disponível para dar suporte a um governo PSD, ao lado dos ultraliberais. Para impedir esse governo, é necessário assegurar que o somatório dos deputados do PS e da esquerda baste para o impedir. Mas um somatório não faz uma maioria. O que faz uma maioria é um acordo programático e por isso é tão pobre a mera sugestão de “reedição da geringonça”: os acordos de 2015 visaram afastar a direita, reverter algumas das suas piores decisões, impedir contrarreformas que o programa do PS incluía e acelerar a recuperação dos rendimentos. Ora, o desafio é hoje muito maior porque foi a política liberal do PS que agudizou todas as dimensões da crise social e será necessário que a fração parlamentar do Bloco de Esquerda seja suficiente para determinar um programa de governo que represente uma mudança e não a “continuidade” que Pedro Nuno Santos anunciou no seu primeiro dia como secretário geral.

Os próximos dois meses serão o tempo de um confronto essencial, do qual os partidos não serão protagonistas exclusivos. Além da persistência dos profissionais de saúde, que recusam a farsa do acordo assinado por Manuel Pizarro com um microsindicato de direita, haverá grandes mobilizações pela habitação, a 27 de janeiro, e o regresso às ruas da agenda feminista, precisamente no último dia da camanha eleitora, o 8 de março, um momento de afirmação da liberdade das mulheres e da recusa da proposta conservadora da direita radicalizada.

Serão longos dois meses e meio. E estão quase a terminar.