Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores: um resquício da pré-democracia

A Caixa de Previdência de Advogados e Solicitadores (CPAS), que também engloba os Agentes de Execução, constitui um regime contributivo anacrónico, injusto e, em diversas disposições, tem falta de conformidade constitucional. 

A CPAS data de 1947 e o seu regime manteve-se inalterado até ao ano de 2015 – 41 anos em democracia -, sendo que nos últimos 9 anos as alterações que aquele regime sofreu centraram-se, basicamente, em actualizações dos valores das contribuições e na implementação de alguns, poucos, apoios sociais. Estes parecem existir para justificar a designação de previdência àquela caixa e não para prestarem um real apoio a quem para ela contribui e que dela deveria beneficiar. E quem contribui para a CPAS não o faz porque quer, mas porque tal lhe é exigido para o exercício da sua profissão. 

O facto de as contribuições para a CPAS serem peremtórias para aqueles profissionais não faz concluir de imediato que este sistema, pretensamente de protecção social, é tão absurdo e injusto quanto o é.  Com efeito, qualquer pessoa que trabalha, sendo dependente ou independente, efetua, e bem, descontos sobre os rendimentos da sua atividade profissional para o sistema da Segurança Social. Uma das grandes diferenças é a de que este sistema, consagrado na Constituição, prevê, igualmente bem, que se e quando há rendimentos do trabalho alvo de descontos para outro subsistema de proteção social haja desoneração de descontos para a Segurança Social, obviando, assim, a dupla contribuição sobre os mesmos rendimentos. É lógico, sensato e justo, não é!? Claro que é, exceto para a CPAS.

Falando concretamente da advocacia, a mera inscrição em vigor na Ordem dos Advogados (OA) é conditio sine qua non – salvo durante o período de estágio e nos primeiros 3 anos de inscrição como advogada/o – para impor um escalão mínimo de contribuição (5º escalão), que no presente ano de 2024 se traduz em 277,77 euros. Este é o valor que qualquer advogada/o tem de pagar mensalmente, quer tenha ou não rendimentos, quer tais rendimentos provenham da advocacia ou de outra atividade profissional que seja acumulada. Acresce que quem aufere, por exemplo, 5000 euros num mês pode optar por fazer uma contribuição para a CPAS naquele valor mínimo. Onde está a justiça e a legitimidade da CPAS em presumir o rendimento de cada um dos seus contribuintes? A resposta é simples e, naturalmente, rejeita tal arrogância, ainda mais quando tal presunção se verifica estar, não raras vezes, distante da realidade, situação facilmente comprovável, por exemplo, através da consulta dos recibos de honorários emitidos. Os profissionais da advocacia, da solicitadoria e da agência de execução são, do ponto de vista de qualificação fiscal, trabalhadores independentes, pelo que as suas contribuições devem ser proporcionais aos rendimentos efetivamente auferidos e não aos presumidos. 

Pelo exposto, é já irremediavelmente percetível quão injusto e injustificável é o regime da CPAS, mas seria de aceitar que o mesmo se mantivesse, se os profissionais reféns desse regime estivessem satisfeitos com ele. A verdade, contudo, é que a esmagadora maioria não o está e uma parte bastante significativa manifestou o seu desagrado no histórico referendo realizado em 2021, baseado na proposta de implementação do direito de escolha entre a CPAS e a Segurança Social. É de salientar que em tal referendo, num universo de 16.852 votantes, 53% votou a favor do direito de escolha supra referida. 

Segundo os dados mais recentes (2023), existem cerca de 40 mil profissionais inscritos na OA e a grande maioria exerce advocacia em prática individual. Tendo por base vários relatos vindos a público, muitos são os profissionais que enfrentam situações graves de doença ou de outra ordem, de onde decorrem dificuldades financeiras que, sob o regime impositivo e injusto da CPAS, fazem perigar a continuidade da sua actividade profissional ou a sua prestação cabal. 

Seguramente há quem tenha interesse em que este regime da CPAS – um verdadeiro resquício da pré-democracia – mantenha o status quo, e não é ilusório apontar como maiores interessados as grandes sociedades de advogados e quem se encontra em situação de reforma mais do que confortável.

O direito de escolha é francamente melhor, mais justo e democrático do que o autoritarismo vigente do regime da CPAS e, por isso, não faz qualquer sentido defender a sua continuidade. Todos os argumentos a favor da manutenção da CPAS são refutáveis, desde logo o que insiste na complexidade da integração na Segurança Social. Lembremo-nos do que diziam há uns anos as vozes elitistas das instituições bancárias quanto à integração da sua classe trabalhadora na Segurança Social. Foi complexo? Acredita-se que sim, mas fez-se e até hoje, volvidos mais de 15 anos, não há relatos de fim do mundo. Haja vontade política também para esta integração, que é da mais elementar justiça.

Os reféns da CPAS são importantes agentes da justiça portuguesa cuja atividade profissional se foca na defesa dos direitos dos cidadãos. E a quem caberá defender os seus direitos, quando estes são coartados por um regime contributivo não compaginável com a realidade, injusto e com diversas manifestações contrárias à letra e ao espírito da Constituição quanto aos princípios da universalidade, da igualdade e da capacidade contributiva? Outra resposta simples: toda a sociedade que se tem como democrática. É nossa responsabilidade assegurar tal defesa, de modo intransigente, e pugnar pela integração da CPAS na Segurança Social. Ontem já era tarde!