A cor do dinheiro

A COP28 terminou da forma habitual: celebrada por muitos dirigentes que nada têm feito para atingir os objetivos proclamados, esta COP teve a particularidade de expor com toda a clareza as divergências reais que atravessam o mundo sobre um combate às alterações climáticas a sério. E não, o mundo não está de acordo.

Uma das impressões mais fortes que retiramos desta e de outras COPs é a diferença abissal entre as exigências que decorrem da evidência empírica e aquilo que foi conseguido e mesmo o que é proposto. As contribuições nacionalmente determinadas, se cumpridas (e é um grande “se”), levariam a uma redução das emissões de 2%. De acordo com os cientistas, a redução necessária é de 43%.

O Fundo de Perdas e Danos tem um financiamento de menos de 0,2% das necessidades estimadas. Foi festejado apoteoticamente na Conferência. De uma forma geral, os recursos públicos envolvidos são irrisórios, quer por comparação com os investimentos necessários para cumprir com os compromissos, quer por comparação com os custos das alterações climáticas a que já estamos a assistir, desde as consequências dos fenómenos climáticos extremos até à saúde pública. E os países desenvolvidos, grandes responsáveis históricos das alterações climáticas, não têm pejo em fazer exigências ao sul global, sem sequer pôr em cima da mesa o perdão da dívida desses países.

Jean-Pascal van Ypersele (investigador e ex-vice-presidente do IPCC na quinta ronda de avaliações) escreveu no twitter: “Parece haver uma desconexão total entre o diagnóstico e o tratamento. O diagnóstico é de um cancro potencialmente mortal, devido ao abuso de combustíveis fósseis. O tratamento prescrito é uma mistura de wishful thinking e magia”.

A desconexão é real. Aparentemente, é possível terminar uma conferência sobre o clima em que as próprias decisões da conferência assumem uma catástrofe ecológica. Não foi a primeira vez.

A f(r)atura fóssil

A grande fratura da COP foi a posição a assumir sobre a energia fóssil. Essa posição dividiu aparentemente os produtores de petróleo de todos os restantes países, com destaque para os países para quem as alterações climáticas são uma ameaça existencial. Países que podem, pura e simplesmente, desaparecer do mapa. Mas muitos dos países e regiões do lado certo desse debate estão muito longe de ser consequentes com as posições assumidas em público.

A mesma União Europeia que fala de cátedra para o resto do mundo sobre a eliminação dos combustíveis fósseis vai adiando os seus próprios prazos e metas, mantém apoios à indústria fóssil e acaba de declarar o gás natural uma energia limpa. Já os Estados Unidos continuam a ser de longe o maior poluidor do mundo. A proteção da energia fóssil continua a ser a regra nos governos ocidentais, que têm no entanto de manter as aparências perante os seus próprios eleitores.

A transição energética consiste em passar de um paradigma de produção e consumo de energia para outro. Não se trata apenas de produzir mais energias renováveis para no fim produzir (e consumir) ainda mais energia no final. Trata-se de começar agora a desinvestir no fóssil. Uma transição energética que “elimine gradualmente” os combustíveis fósseis (uma expressão que gerou a mãe de todas as controvérsias), implica que ativos fósseis de valor astronómico já hoje detidos pelas empresas do setor não poderão ser explorados e rentabilizados. Representa, por isso, uma colossal destruição de valor acionista.

Ora, como é evidente, a Arábia Saudita, o diretor executivo da Petrolífera Estatal da Arábia Saudita e os 2456 lobistas que se credenciaram na Conferência (o quádruplo da última edição), não o fizeram para permitir que uma tamanha sensatez pudesse passar. A ideia é criar mais negócios, não acabar com os que existem. Desse ponto de vista, nenhuma expressão da novilíngua fóssil é mais eloquente que as “emissões de carvão não abatíveis”, introduzida na COP26. Esta serve para protelar o fim do carvão em nome de uma tecnologia, a captura de carbono, que se encontra na sua infância, em termos que, pela 3ª COP consecutiva, ficaram por clarificar.

Começar pelos meios

Mas talvez ainda mais importantes que as metas que são definidas pela Conferência são os instrumentos, os recursos financeiros e as escolhas políticas que são mobilizados para começar a reagir agora. As metas estão fora do tempo de responsabilidade de quase todos os chefes de Estado que se deslocaram à COP. Pelo contrário, o que se decide agora quanto aos recursos públicos que devem ir imediatamente para o investimento em renováveis, na eficiência energética ou na mobilidade é o que realmente fica de palpável.

Infelizmente, embora também tenha havido decisões a esse nível, o que fica de múltiplas atividades e documentos da Conferência é a habitual conversa da mobilização do investimento privado, da finança verde, etc. Fica a fé que o mesmo capital, e frequentemente as mesmas pessoas que nos trouxeram aqui, vão salvar o planeta. Não é a definição da loucura, porque é apenas negócio.