A greve fecha o tasco

No dia 22 de março, os estafetas organizaram a sua segunda greve em dois meses. A paralisação, organizada através das redes sociais, ocorreu em diversas cidades do país, como Lisboa, Porto, Coimbra e Braga. Estes trabalhadores, sem direito à greve, sem direito a quase nada, organizaram, assim, a segunda paragem em dois meses seguidos, tendo realizado a primeira paralisação nacional em fevereiro.

As suas reivindicações são o respeito das plataformas pelo seu trabalho, o pagamento de 3 euros por cada entrega, mais um bónus de 50 cêntimos por cada quilómetro, a abertura de escritórios das empresas de plataformas onde possam ser atendidos presencialmente e tratarem dos seus problemas. 

O aumento do custo de vida não deixa outra escolha aos estafetas, que, enquanto trabalhadores independentes, têm de arcar com todos os custos da sua ocupação profissional, desde a mota à mochila, passando por todos os custos de materiais. Além destes custos, o risco é da sua responsabilidade, não estando abrangidos, muitas vezes, por seguros pessoais e, claro, fora do sistema de proteção social. 

As empresas, que admitem continuamente novas contas de estafetas, baixando assim os salários, responderam a esta paralisação com a bonificação do pagamento por entrega durante as horas da paralisação. Mais ainda, convidaram os donos das frotas e os restaurantes a compactuar com as suas práticas, encorajando-os a vigiar e denunciar os estafetas em greve. No entanto, a participação foi militante, com os estafetas a mobilizarem-se, com piquetes móveis que procuraram abranger diversos pontos, convencendo os colegas a unirem-se, a não aceitarem serviços e a aderirem à greve. Durante a paralisação os pagamentos por cada pedido atingiram níveis acima do reivindicado pelo grupo organizador e diversos estabelecimentos tiveram de desligar a aplicação, deixando, assim, de efetuar entregas.

Os estafetas viram o pagamento por entrega descer drasticamente desde os tempos da pandemia. Desde então, o custo de vida disparou, mais ainda se tivermos em conta todos os seus custos. Seguro, combustível, manutenção, substituição de peças, renda e alimentação, etc. 

Os estafetas testemunham como trabalhar em condições de chuva geralmente causa acidentes ou doenças, o que afeta o quanto ganham. Outros relatam os riscos de simplesmente fazerem o seu trabalho – mal-entendidos com clientes, mal-entendidos com as plataformas, sendo as perdas, invariavelmente, assumidas pelo estafeta. 

Esta profissão não tem nenhuma rede de segurança em termos de apoios sociais, nem em caso de doença ou acidente, nem apoios em outras condições adversas, e a remuneração é muito inferior ao salário mínimo. Muitos afirmam trabalhar mais de 12 horas por dia, muitos garantem trabalhar todos os dias da semana.

Esta greve ocorre em tempos de mudança e transformação no panorama legal desta atividade económica. No dia 11 de março, a União Europeia aprovou, após muitos avanços, recuos e bloqueios, uma nova diretiva destinada a proteger os trabalhadores das plataformas digitais, como é o caso dos estafetas. Este acordo assinala um momento importante no combate pelos direitos laborais em toda a Europa, impactando diretamente mais de 28,5 milhões de pessoas que trabalham na economia das plataformas, sendo que se estima que em 2025 serão já 43 milhões de pessoas. Esta diretiva apresenta pormenores inovadores na regulamentação da gestão algorítmica no local de trabalho e estabelece padrões mínimos europeus para o setor. Entre as medidas incluídas estão a presumível existência de contratos de trabalho entre os trabalhadores e as plataformas digitais, a menos que a empresa consiga refutar esta presunção, e a proteção dos dados pessoais dos trabalhadores contra a utilização indevida de sistemas automatizados de monitorização. 

Entretanto, em Portugal, a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) tem desencadeado ações para reconhecer vínculos laborais entre estafetas e plataformas digitais. Apesar das notificações enviadas pela ACT, as empresas persistem em considerar os estafetas como trabalhadores independentes, estando mais de 800 processos atualmente em curso, que poderão ter seguimento para os tribunais. Também durante o mês de março, os Tribunais de Castelo Branco e da Covilhã confirmaram os indícios de relação laboral e a existência de um contrato de trabalho entre quatro estafetas e a multinacional UberEats e de três estafetas com a portuguesa Xico’s (esta última não contestou da decisão, a UberEats já comunicou que iria recorrer). Esta uma decisão de grande relevância que abre caminho para um avanço histórico face à desregulação desenfreada que é prática do setor. 

A greve nacional dos estafetas evidencia como as reivindicações deles são urgentes e que as mudanças das condições laborais exigidas são fundamentais para a garantia dos direitos dos trabalhadores deste setor. É importante assegurar a efetiva implementação da nova legislação europeia, assim como garantir que os processos iniciados pela ACT culminem no reconhecimento dos direitos dos estafetas e que estas ações de inspeção que visam combater o falso trabalho independente continuem. Contudo, e quando os estafetas se preparam para uma nova greve em abril, o diálogo com estes trabalhadores é uma prioridade. Além de uma grande parte se deixar levar pela falácia do empreendedorismo, estes trabalhadores são maioritariamente migrantes e encontram-se numa situação de vulnerabilidade face à propagação de desinformação quanto aos seus direitos e às vantagens que a luta coletiva pode trazer para a sua situação laboral, para a garantia dos seus direitos de trabalho e pelo acesso à proteção social que justamente merecem.