A luta continua por serviços de qualidade na Imigração

O artigo 15 da Constituição determina acerca dos imigrantes em Portugal:

“Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português”.

É nesta premissa que a Solidariedade Imigrante – Associação para a defesa dos Direitos dos Imigrantes (Solin) – se posiciona. Nas palavras de Timóteo Macedo, “as pessoas imigrantes não querem serviços especiais só para si. Eles lutam há muito pela igualdade de oportunidades e por direitos iguais. É tempo de se mudar o paradigma politico e cultural reinantes na sociedade em relação aos outros, à diferença, aos imigrantes, à interculturalidade e diversidade. Já é tempo de serem tratados como iguais”.

A Solin nasceu em 2001 com o princípio de que as pessoas imigrantes fazem parte do País, que as políticas de imigração devem as tratar de igual para igual como qualquer pessoa com cidadania nacional. Nem menos, nem mais.

Como mediadora cultural, faço parte de um grupo de pessoas que também acredita na necessidade da mudança de paradigma. O atendimento da Solidariedade Imigrante é um espelho da diversidade deste país. Pude atender pessoas de mais de 90 nacionalidades diferentes, pude ouvir, apoiar e, acima de tudo, lutar com eles para leis mais amigas dos trabalhadores migrantes e de suas famílias. Um trabalho contínuo e presencial, independentemente da cor política dos governos, porque o que move a associação é a certeza de que não queremos uma Europa Fortaleza.

Em mais de duas décadas assistiu-se a centenas de medidas de diferentes governos em relação a questões sociais, mas insistindo em manter uma segregação dos cidadãos/as estrangeiros em relação ao nacionais. Criaram-se serviços e planos especiais, como se os imigrantes não pudessem ser atendidos junto de nacionais. E esses serviços especiais não são de qualidade. Há tempos longos de espera, há muitas incertezas, muitas respostas negativas apesar dos seus direitos.

Ora, os Serviços Públicos devem estar à altura das mudanças, deviam saber acolher de forma eficaz e eficiente e não escolhendo tipo “ menu à la carte” quais os imigrantes que vão ter mais privilégios que outros. Deveria haver maior partilha de valores, recetivos à diversidade cultural, aos saberes e experiências desta cidadania universal transportada e vivida pelos povos que nos procuram.

A luta continua por uma porta sempre aberta para acesso à autorização de residência para quem trabalha, paga os seus impostos e está há cerca de dois anos a aguardar uma mensagem numa plataforma para entregar os seus papéis. O fim do SEF é uma vitória das associações de imigrantes, dado que os imigrantes não são criminosos e não devem ser atendidos para tratar da sua documentação por Policias de estrangeiros. Mas esperar tanto para ter um titulo? Para agendar, renovar, reagrupar? O Reagrupamento familiar é um direito. Como pode o Estado, através do antigo SEF, agora AIMA, impedir que durante mais de um ano, não abra agendamentos para famílias presentes no país e fora dele? Como pode Portugal citar boas práticas de imigração, se no seu mais essencial que é o da família (seja ela qual for),  cria obstáculos? Por isso, temos constantemente alertado para os atrasos, para os maus funcionamentos nas embaixadas na emissão de vistos.

Uma experiência pessoal é sair à rua entre as cinco e sete da manhã nas zonas de escritório e ver centenas de mulheres migrantes e racializadas nas limpezas. Essas mulheres sempre tiveram um duplo turno: primeiro, no tempo da escravatura sem a retribuição, depois no Colonialismo com uma baixa retribuição e agora por meia centena de euros fazem o trabalho de duas pessoas no menor número de horas que dê lucro à entidade patronal. Muitas das nossas associadas já sentiram na pele o frio da madrugada e a desconsideração pela sua tarefa. Em pleno século XXI, as mulheres do serviço doméstico vivem com uma lei especial de 1992. Continuamos a lutar para que seja incluido no código do trabalho. Não aceitamos que muitos burgueses e ricos prefiram pagar mais para uma hora de SPA do que uma hora de trabalho doméstico.

As ditas “vagas de imigração” vieram atrás de um sonho e que têm vindo à procura de uma vida melhor, mas a realidade esbofetearam essas pessoas com salários em atrasos, promessas de um contrato, meios-dias de folga e jornadas contínuas de trabalho.

Não escrevo aqui em particular sobre o racismo ou a xenofobia individual e quotidiana. Porque disso se aprendem a defender as pessoas imigrantes, independentemente do seu tom de melanina. Escrevo sobre a contínua discriminação em que determinadas comunidades, seja pelo seu passado de migração, seja pelo tom de melanina continuam a ser alvo, e que tem como consequência o impedimento ao acesso a bens, serviços, e oportunidades, a serviços de qualidade na educação ou nos transportes.  

Desde a lei nº 37/81de 3 de Outubro, e mesmo com as sucessivas alterações, que a situação os filhos dos imigrantes nascidos em território nacional não tem sido tratada por igual em relação aos cidadãos portugueses, nos termos da Constituição. A melhoria da legislação não conseguiu até à data colmatar os constrangimentos diários administrativos e quase todos onerosos. É preciso as associações de imigrantes estarem constantemente em alerta para apoiar estes cidadãos? Se um estrangeiro com um Golden Gisa pode ter a nacionalidade portuguesa desde que passe 7 dias por ano em Portugal, porque não pode uma criança que nasce em Portugal ser portuguesa? A mudança é sobretudo jurídica, mas nem aí esses filhos de imigrantes têm voto na matéria. Não puderam votar em décadas por uma política que os colocassem nas mesmas circunstâncias.

Não é justo promover os  Vistos Gold ou os residentes nómadas enquanto se perpetuam  serviços não preparados para acolher quem chega, mantendo as pessoas imigrantes como necessitados e subservientes.

Pensamos por isso que é importante um maior diálogo entre o governo através das suas instituições e as associações no sentido de políticas mais justiças e ações corretivas, promovendo também uma discussão aberta e pública sobre a imigração, o  racismo e a xenofobia, lembrando ao país que seja de 1ª, 2ª ou 3ª geração, nós somos todos filhos de imigrantes. Os mais de um milhão portugueses em França, os cerca de 80 mil no Luxemburgo,  ou os 262 mil da Suíça não são invasão. Não, não queremos uma Europa Fortaleza, não aceitamos que pessoas sejam expulsas com acordos desumanos com países fronteiriços ou não à Europa. Ninguém é ilegal. Ilegal é o capital.