Algarve: é possível manter um oásis artificial no meio do deserto?

Tirando a região do Noroeste do país, que tem um clima mais húmido, a maior parte de Portugal tem um clima mediterrânico, caracterizado por chuvas concentradas no Outono e Inverno, e uma estação seca, o Verão, na qual se atinge também a temperatura máxima anual. Na região Sul do país a precipitação nunca foi muita elevada, mas era, quase sempre, a suficiente para as necessidades. A quantidade de chuva no Outono/Inverno tem vindo a diminuir consideravelmente nas últimas décadas em todo o país e de forma especial na região Sul (Alentejo e Algarve) fazendo com que esta região, nos últimos anos, só tenha estado fora de situação de seca em alguns momentos episódicos[i].  

Esta alteração climática não é surpresa, e o cenário futuro só tem tendência para piorar. O último relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas[ii] sobre a região mediterrânica (que inclui todos os países à volta do Mar Mediterrâneo, incluindo Portugal) alerta para o aumento da escassez de água, aumento de secas e aumento da frequência de ondas de calor nos próximos anos. O relatório alerta ainda para o efeito cascata que estes efeitos podem ter na agricultura, atividade florestal, pesca, turismo e saúde humana, afetando estas atividades de forma negativa. Estes efeitos já se notam, quando as barragens do Algarve estão em mínimos históricos e o Governo, correndo atrás do prejuízo, anuncia medidas de corte de água na agricultura e no consumo doméstico na região do Algarve.

Apesar dos alertas para a alteração climática que estamos a viver agora, construi-se no Algarve, ao longo das últimas décadas, um oásis artificial que agora se encontra no meio do deserto. Este oásis tem empreendimentos turísticos rodeados de campo de golfe regados com água potável, e em alguns casos com consumos per capita oito vezes superior à média nacional (127 litros)[iii]. Á volta destes empreendimentos, as culturas tradicionais desta região como a laranja, amêndoa, alfarroba têm vindo a ser substituídas pela cultura do abacate, uma cultura muito mais exigente em água e que em poucos anos se tornou a segunda cultura de regadio no Algarve[iv]. O oásis parece ser tão excedente em água que se dá ao luxo de perder, só em fugas na rede urbana, cerca de um quarto do consumo doméstico atual na região. Ou seja, por cada três banhos que um turista toma no Algarve, há mais um banho que se perde na rede. São décadas de planeamento que ignoraram as previsões climáticas e que agiram como se o Algarve estivesse apoiado em cima de uma cornucópia de água.

As soluções apresentadas pelo Governo no início deste ano para mitigar os efeitos da seca no Algarve são medidas de emergência que visam, principalmente, a redução substancial da utilização de água para a agricultura e consumo urbano[v]. Está ainda prevista a construção de uma dessalinizadora em Albufeira, que entrará em funcionamento até 2026. Ironicamente prevê-se que esta infraestrutura tenha a capacidade para produzir o equivalente ao que se perde na rede urbana[vi]. O presidente da Associação de Turismo do Algarve estima ainda que, até 2030, 32 dos atuais 40 campos de golfe do Algarve, serão regados com águas residuais. Mas, além destas medidas, constam outras que continuam a alimentar a ideia do oásis no meio do deserto: há quem defenda já a construção de uma segunda dessalinizadora para servir a região e até o transvase de água do Alqueva para o Algarve[vii].

O futuro do Algarve está em risco, não há outra forma de o dizer. Continuar o caminho da construção do oásis no deserto, ignorando as alterações climáticas e os riscos previstos para toda a região mediterrânica são o caminho para o desastre. A solução para o Algarve só pode assentar em medidas estruturais e permanentes de utilização eficiente da água nas áreas urbanas, que passam pela captação e armazenamento de águas pluviais e redução de perdas nas redes, adequação das culturas agrícolas às condições climáticas, utilização das águas residuais, políticas de reflorestação e reabilitação de linhas de água. Com estas medidas, que têm sido defendidas, por exemplo, pela Plataforma Água Sustentável[viii], poderemos um dia falar do Algarve como um exemplo de sustentabilidade. Caso contrário, continuaremos a caminhar para esse oásis que no futuro não será mais que uma miragem.


[i]https://www.ipma.pt/pt/oclima/observatorio.secas/

[ii]https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg2/downloads/report/IPCC_AR6_WGII_CCP4.pdf

[iii]https://cnnportugal.iol.pt/agua/ersar/na-quinta-do-lago-o-consumo-de-agua-e-dez-vezes-superior-a-media-nacional-como-e-que-se-gasta-tanta-agua-no-algarve-e-a-culpa-nao-e-dos-campos-de-golfe/20231009/650d7783d34e65afa2f59c88

[iv]https://docs.google.com/document/d/1nSZ4zPblYyw0DPmBqGXAtv-lYoBkSKyz/edit?usp=drive_link&ouid=104080195821669902673&rtpof=true&sd=true

[v]https://www.publico.pt/2024/01/17/azul/noticia/seca-algarve-governo-anuncia-cortes-25-agricultura-15-sector-urbano-2077174

[vi]https://expresso.pt/sociedade/2024-01-17-Dessalinizadora-projetada-para-o-Algarve-tera-luz-verde-dentro-de-dias-81e4eb45

[vii]https://www.publico.pt/2023/10/20/azul/noticia/algarve-ja-pede-segunda-dessalinizadora-transvase-agua-alqueva-2067398

[viii]https://drive.google.com/file/d/1vFN70IRQD6ln8DvwIZjFFwXJOJbbFrFa/view?usp=drive_link