Angela Davis: uma entrevista sobre o futuro do radicalismo negro

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In Gaye Theresa Johnson e Alex Lubin (Eds.). Futures of Black Radicalism. 2017. Londres: Verso.

Nos seus estudos centrou-se no abolicionismo prisional, no feminismo negro, na cultura popular e nos blues e no internacionalismo negro com um foco na Palestina. Tomados em conjunto, como é que este trabalho se inspira, e talvez prossiga, a Tradição Negra Radical?

O Cedric Robinson desafiou-nos a pensar o papel dos teóricos e ativistas radicais negros na criação de histórias sociais e culturais que nos inspirem, a ligar as nossas ideias e as nossas práticas políticas a críticas profundas ao capitalismo racial. Fico contente que ele tenha vivido o tempo suficiente para ter uma ideia de como as novas gerações de académicos e ativistas começaram a assumir a sua noção de Tradição Negra Radical. No Black Marxism, desenvolveu uma importante genealogia, que girou em torno do trabalho de C. L. R. James, W. E. B. Du Bois e Richard Wright. Se olharmos para o seu trabalho como um todo, incluindo Black Movements in America e Antropologhy of Marxism, como assinalou H. L. T. Quan, não podemos deixar de compreender como as mulheres foram centrais para forjar uma Tradição Negra Radical. Quan escreve que, quando lhe perguntam por que razão existe um enorme foco no papel das mulheres e na resistência no seu trabalho responde: «Porque não? Toda a resistência, com efeito, se manifesta no género, se manifesta como género. O género é de facto tanto uma linguagem da opressão como uma linguagem de resistência».

Aprendi muito com o Cedric Robinson sobre os usos da história: as formas de teorizar a história – ou permitir que ela se teorize – são cruciais para o nosso entendimento do presente e para a nossa capacidade de coletivamente encararmos um futuro mais habitável.

O Cedric argumentou que as suas notáveis escavações da história emanam do estabelecimento de objetivos políticos no presente. Senti uma afinidade com a sua abordagem desde que li pela primeira vez o Black Marxism. O meu primeiro artigo publicado – escrito quando estava na prisão -, que se centrou nas mulheres negras e na escravatura, era, na verdade, um esforço para refutar o discurso prejudicial, cada vez mais popular, do matriarcado negro, tal como era representado pelos relatórios oficiais do governo, assim como pelas ideias masculinistas generalizadas (como a necessidade de hierarquias de liderança baseadas no género, concebidas para garantir a dominância masculina negra) que circulavam no movimento negro no final dos anos 1960 e no início dos anos 1970. Apesar de essa não ser a forma como eu pensava o meu trabalho na época, certamente que hoje não hesitaria em relacionar essa pesquisa com o esforço de tornar a Tradição Radical Negra, portanto feminista, mais visível.

A nova formação de um campo científico – estudos prisionais críticos e sua estrutura explicitamente abolicionista – situa-se dentro da Tradição Radical Negra, tanto pela relação genealógica com o período da história dos EUA a que nos referimos como Reconstrução Radical como, claro, pela relação tanto com o trabalho de W. E. B Du Bois como com o feminismo negro histórico. O trabalho de Sarah Haley, Kelly Lytle Henandez e de uma empolgante nova geração de investigadores, ao ligarem a sua pesquisa aos princípios ativistas, está a ajudar a revitalizar a Tradição Radical Negra.

Com cada geração de ativismo antirracista, ao que parece, o limitado nacionalismo negro volta como uma fénix para reivindicar a fidelidade dos nossos movimentos. O trabalho do Cedric foi em parte inspirado pelo seu desejo de responder às limitações do nacionalismo negro dos tempos da sua (e da minha) juventude. Evidentemente, é extremamente frustrante testemunhar o ressurgimento de tipos de nacionalismo que são, não só contraproducentes, como contrariam o que deveria ser o nosso objetivo: o florescimento negro e, como tal, humano. Ao mesmo tempo, é muito empolgante testemunhar como as novas formações juvenis – Black Lives Matter, BYP100, The Dream Defenders – estão a ajudar a moldar um novo internacionalismo feminista negro que destaca o valor das teorias e práticas queer.

Qual é a sua avaliação do movimento Black Lives Matter (BLM), em particular à luz da participação no Partido Panteras Negras (PPN) durante os anos 1970? O Black Lives Matter, na sua opinião, tem uma teorização e análise suficientes da liberdade? Vê algumas semelhanças entre o PPN e o BLM?

Ao considerarmos a relação entre o Partido Panteras Negras e o contemporâneo movimento Black Lives Matter, parece que as décadas e gerações que separam um do outro criam uma certa incomensurabilidade, a qual é uma consequência de todas as mudanças económicas, políticas, culturais e tecnológicas que fazem este momento atual tão diferente em tantos aspetos importantes do final da década de 1960. Mas talvez devêssemos procurar as conexões entre os dois movimentos que são reveladas não tanto nas semelhanças, mas antes nas diferenças radicais.

O PPN surgiu como uma resposta à ocupação policial de Oakland, Califórnia, e de comunidades urbanas negras em todo o país. Foi uma jogada absolutamente brilhante da parte de Huey Newton e Bobby Seale patrulharem o bairro com armas e livros de direito, por outras palavras, para “policiar-se a polícia”. Ao mesmo tempo, essa estratégia – reconhecidamente inspirada no surgimento das lutas de guerrilha em Cuba, nos exércitos de libertação na África austral e no Médio Oriente e na resistência bem-sucedida da Frente de Libertação Nacional do Vietname -, retrospetivamente, refletiu o fracasso em reconhecer, como disse Audre Lorde, que «as ferramentas do dono nunca irão desmantelar a casa do dono». Por outras palavras, o uso de armas – mesmo que, antes de mais, símbolo de resistência – transmitiu a mensagem de que a polícia podia ser eficazmente contestada confiando em estratégias de policiamento explícito.

Uma hashtag desenvolvida por Patrisse Cullors, Alicia Garza e Opal Tometi no rescaldo do assassinato do vigilante Trayvon Martin, #BlackLivesMatter, começou a transformar-se numa rede como resposta direta ao crescimento dos protestos em Ferguson, Missouri, que manifestavam um desejo coletivo de exigir justiça para Mike Brown e para todas as vidas negras sacrificadas no altar do terror policial racista. Ao pedir-nos para resistirmos de forma radical à violência racista no coração das estruturas e estratégias policiais, o Black Lives Matter cedo reconheceu que teríamos de colocar a reivindicação da desmilitarização da polícia no centro dos nossos esforços, para avançarmos para um modo de justiça mais crítico e coletivo. Em última análise, ligada a uma abordagem que reclama a abolição do policiamento como o conhecemos e experienciamos, a desmilitarização também contesta a forma como as estratégias policiais foram transnacionalizadas dentro dos circuitos que ligam os pequenos departamentos de polícia dos EUA a Israel, o qual domina a arena do policiamento militarizado associado à ocupação da Palestina.

Aprecio a análise mais complicada que é adotada por muitos ativistas do BLM, porque ela reflete precisamente uma mentalidade histórica que é capaz de construir, abraçar e criticar radicalmente ativismos e teorias antirracistas do passado. Enquanto o PPN tentou – às vezes sem sucesso – abraçar os feminismos emergentes e o que então se chamou movimento de libertação gay, o líder e os ativistas do BLM desenvolveram abordagens que adotaram produtivamente as teorias e práticas feministas e queer. Mas as teorias da liberdade são sempre provisórias. Aprendi com o Cedric Robinson que qualquer teoria ou estratégia política que pretenda possuir uma teoria total da liberdade, ou que possa ser categoricamente compreendida, não conseguiu dar conta da multiplicidade de possibilidades que podem, talvez, ser apenas representadas evocativamente no reino da cultura.

O seu mais recente trabalho académico trata a questão da Palestina e a sua relação com o movimento da liberdade negra. Quando é que essa relação se tornou óbvia para si e que circunstâncias, ou conjunturas, tornaram possível essa perceção?

Na verdade, a minha mais recente antologia de comunicações e entrevistas reflete um entendimento cada vez mais popular da necessidade de uma estrutura internacionalista, na qual o trabalho em curso para desmantelar as estruturas do racismo, do heteropatriarcado e da injustiça económica nos Estados Unidos pode tornar-se mais duradouro e significativo. Na minha própria história política, a Palestina sempre ocupou um lugar essencial, precisamente por causa das semelhanças entre Israel e os Estados Unidos – o seu colonialismo fundador e os seus processos de limpeza étnica em relação aos povos indígenas, os seus sistemas de segregação, o seu uso dos sistemas legais para ordenar uma repressão sistemática e assim por diante. Costumo salientar que a minha consciência sobre a situação da Palestina remonta aos meus anos de frequência da Universidade de Brandeis, que foi fundada no mesmo ano que o Estado de Israel. Além disso, durante a minha própria prisão, recebi o apoio de prisioneiros políticos palestinianos, bem como de advogados israelitas que defendiam palestinianos.

Em 1973, quando participei no Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes em Berlim (na República Democrática Alemã), tive oportunidade de conhecer Yaser Arafat, que sempre reconheceu a proximidade da luta palestiniana e da luta pela liberdade negra nos Estados Unidos, e que, como Che, Fidel, Patrice Lumumba e Amílcar Cabral, era uma figura reverenciada dentro do movimento pela libertação dos negros. Esse foi um tempo em que o comunismo internacionalista – em África, Médio Oriente, Europa, Ásia, Austrália, América do Sul e Caraíbas – era uma força poderosa. Se eu falasse da minha própria história, ela teria quase certamente chegado a um desfecho diferente, não tivesse esse internacionalismo desempenhado um papel tão crucial.

Os encontros entre as lutas de libertação negra nos Estados Unidos e os movimentos contra a ocupação israelita da Palestina têm uma história longa. As Geographies of Liberations: The Making of an Afro-Arab Political Imaginary, de Alex Lubin, tentam mapear aspetos importantes dessa história. Muitas vezes, no entanto, não é no âmbito político que se descobrem os momentos de contacto. Como enfatizou Cedric Robinson, é no âmbito cultural. Claro que Freedom Dreams: The Making of the Black Radical Imagination, de Robin Kelley, acentua a arena do surrealismo como uma zona de contacto especialmente produtiva. No final do século XX, foi a poeta feminista June Jordan quem colocou a questão da ocupação da Palestina no centro do debate. Apesar dos ataques sionistas, e apesar da perda temporária de uma muito importante amizade com Adrienne Rich (que mais tarde também se tornou crítica da ocupação), June tornou-se uma poderosa testemunha para a Palestina. Na sua poesia, sentiu-se impelida a incorporar a conjuntura da libertação dos negros e da Palestina: «I was born a Black woman / and now / I am become a Palestinian / against the relentless laughter of evil / there is less and less living room / and where are my loved ones / It is time to make our way home». Numa época em que as feministas de cor tentavam forjar estratégias daquilo a que hoje chamamos intersecionalidade, June, que representa o melhor da Tradição Radical Negra, ensinou-nos a capacidade que têm as afinidades políticas, para lá das fronteiras nacionais, culturais e supostamente raciais, para nos ajudarem a imaginar futuros mais habitáveis. Sinto muito a falta dela e lamento muito que ela não tenha vivido o suficiente para conhecer os ativistas do Black Lives Matter, empunhando bandeiras de resistência à ocupação da Palestina por todo este continente.

Como já fiz notar em diversas ocasiões, quando em 2011 me juntei a uma delegação de ativistas académicas feministas indígenas e de cor na Cisjordânia e Jerusalém Oriental, fiquei com a impressão de que compreendi perfeitamente a ocupação. Embora todas nós já estivéssemos ligadas, de uma forma ou de outra, ao movimento de solidariedade, ficamos todas profundamente chocadas com o pouco que realmente sabíamos sobre a violência quotidiana da ocupação. No final da nossa visita, decidimos coletivamente dedicar as nossas energias a participar no BDS [movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções] e a ajudar a elevar os níveis de consciência dos nossos vários grupos de origem sobre o papel dos EUA – mais de 8 milhões de dólares – na manutenção da ocupação militar. Portanto continuo profundamente ligada neste projeto a Chandra Mohanty, Beverly Guy-Sheftall, Barbara Ransby, Gina Dent e outras integrantes da delegação.

Nos cinco anos que se seguiram à nossa viagem, muitas outras delegações de académicos e ativistas visitaram a Palestina e ajudaram a acelerar, ampliar e intensificar o movimento de solidariedade com a Palestina. Tal como os arquitetos do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções [BDS] modelaram o seu trabalho na campanha anti-apartheid contra a África do Sul, os ativistas dos EUA tentaram fazer notar que há lições profundas a tirar das políticas de boicote anteriores. Muitas organizações e movimentos dentro dos EUA consideraram como a incorporação de estratégias anti-apartheid nas suas agendas iria transformar radicalmente o seu próprio trabalho. A campanha anti-apartheid não só ajudou a fortalecer esforços internacionais para derrubar o Estado do apartheid, como também fez reviver e enriqueceu muitos movimentos internos contra o racismo, a misoginia e a injustiça económica.

Do mesmo modo, a solidariedade com a Palestina tem o potencial de transformar e ampliar a consciência política dos nossos movimentos contemporâneos. Ativistas do BLM, e outras pessoas associadas a este importante momento histórico de surgimento de uma consciência coletiva que reclama o reconhecimento das persistentes estruturas de racismo, podem desempenhar um importante papel em obrigar outras áreas do ativismo pela justiça social a assumirem a causa da solidariedade com a Palestina – especificamente o movimento Boicote, Desinvestimento, Sanções. Alianças nos estabelecimentos universitários que reúnem organizações estudantis negras, Students for Justice in Palestine e partes do campus da Jewish Voice for Peace lembram-nos a profunda urgência em unir os esforços antirracistas aos fortes desafios à islamofobia e ao antissemitismo e à resistência global às políticas e práticas do apartheid do Estado de Israel.

Teórica e ideologicamente, a Palestina também nos ajudou a ampliar a nossa visão de abolição, que caracterizamos nesta época como a abolição do encarceramento prisional e do policiamento. A experiência da Palestina leva-nos a revisitar conceitos como “nação prisão” ou “Estado carcerário” para que compreendamos seriamente os encarceramentos quotidianos da ocupação e a presença constante do policiamento, não apenas das forças israelitas, mas também da Autoridade Palestiniana. Isso, por sua vez, estimulou outras direções de pesquisa sobre os usos do encarceramento e do seu papel, por exemplo, em perpetrar noções de um binarismo permanente no que respeita ao género e em naturalizar a segregação baseada em capacidades físicas, mentais ou intelectuais.

Que tipo de movimentos sociais podem, ou devem existir na presente conjuntura, dada a ascendência da hegemonia global americana, relações económicas neoliberais, contrainsurgência militarizada interna e “cegueira de cor” racial?

Numa época em que o discurso popular muda rapidamente como uma resposta direta às pressões advindas dos protestos continuados contra a violência do Estado e das práticas de representação ligadas às novas tecnologias da comunicação, sugiro que precisamos de movimentos que prestem tanta atenção à educação política popular como prestam às mobilizações que conseguiram colocar a violência policial e o encarceramento massivo na agenda política nacional. O que isto significa, acho eu, é que tentamos forjar uma análise da conjuntura corrente que tira lições importantes das campanhas relativamente recentes que elevaram a nossa consciência coletiva para lá dos limites anteriores. Por outras palavras, precisamos de movimentos que estejam preparados para resistir às inevitáveis seduções da assimilação. A campanha do Occupy permitiu-nos desenvolver um vocabulário anticapitalista: os 99 por centro versus o 1 por cento é um conceito que entrou na linguagem popular. A questão não é apenas como conservar este vocabulário – como, por exemplo, na análise feita pela plataforma de Bernie Sanders conducente à seleção do candidato presidencial democrata de 2016 -, mas antes como construir sobre isso, ou como complexificar com a ideia do capitalismo racial, o que não pode ser tão nitidamente expresso em termos quantitativos que assuma a homogeneidade que sempre sustentou o racismo.

Cedric Robinson nunca parou de procurar ideias, produtos culturais e movimentos políticos do passado. Tentou compreender por que razão as trajetórias de assimilação e resistência nos movimentos de libertação negra nos Estados Unidos coexistiam e as suas perceções – sobre os movimentos negros nos Estados Unidos, por exemplo – continuam válidas. As estratégias assimilacionistas, que deixam intactas as circunstâncias e estruturas que perpetuam a exclusão e marginalização, foram sempre oferecidas como alternativa mais razoável do que a abolição, o que, evidentemente, requer não apenas resistência e desconstrução, mas também reinvenções e reconstruções radicais.

Talvez seja este o tempo de criar as bases para um novo partido político, que fale para um número muito maior de pessoas do que os partidos progressistas tradicionais se mostraram capazes de fazer. Este partido teria de estar organicamente ligado à multitude de movimentos radicais que emergiram no rescaldo da ascensão do capitalismo. Ao refletir sobre o valor do trabalho de Cedric Robinson em relação ao ativismo radical contemporâneo, parece-me que este partido teria de estar ancorado na ideia de capitalismo racial – antirracista, anticapitalista, feminista e abolicionista, mas, mais importante, teria de reconhecer a prioridade dos movimentos no terreno, movimentos que reconhecem a intersecionalidade das questões atuais – movimentos que são suficientemente abertos para permitir o surgimento futuro de questões, ideias e movimentos que hoje nem conseguimos começar a imaginar.

Distingue, na sua prática académica e ativismo, entre marxismo e marxismo negro?

Passei a maior parte da minha vida a estudar as ideias marxistas e identifiquei-me com grupos que não só abraçaram as críticas marxistas à ordem socioeconómica, mas que lutaram por compreender a relação co-constitutiva do racismo e do capitalismo. Tendo seguido especialmente as teorias e as práticas de comunistas negros e anti-imperialistas dos Estados Unidos, África, Caraíbas e outras partes do mundo, e tendo trabalhado dentro do Partido Comunista durante vários anos com a formação negra que levou os nomes de Che Guevara e Patrice Lumumba, o marxismo, na minha perspetiva, sempre foi simultaneamente um método e um objeto de crítica. Consequentemente, eu não vejo os termos “marxismo” e “marxismo negro” como opostos.

Levo muito a sério os argumentos de Cedric Robinson no livro Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition. Se assumirmos a centralidade inquestionável do Ocidente e o seu desenvolvimento económico, filosófico e cultural, então, os modos económicos, as histórias intelectuais, as religiões e as culturas associadas a África, Ásia e aos povos indígenas não serão reconhecidos como dimensões significativas da humanidade. O próprio conceito de humanidade esconderá sempre uma racialização interna e clandestina, excluindo para sempre as possibilidades de igualdade racial. Escusado será dizer que o marxismo está firmemente ancorado na tradição do Iluminismo. As análises brilhantes de Cedric revelaram novas formas de pensar e agir geradas precisamente através de encontros entre o marxismo e intelectuais/ativistas negros que ajudaram a constituir a Tradição Radical Negra.

O conceito associado ao marxismo negro que considero mais produtivo e potencialmente transformador é o conceito de capitalismo racial. Embora Capitalism and Slavery, de Eric Williams, tenha sido publicado em 1944, os esforços académicos que exploraram esta relação permaneceram relativamente marginais. Espero que a nova pesquisa sobre capitalismo e escravatura ajude a legitimar mais a noção de capitalismo racial. Embora seja importante reconhecer o papel fundamental que a escravatura desempenhou na consolidação histórica do capitalismo, desenvolvimentos mais recentes ligados ao capitalismo global não podem ser adequadamente compreendidos se a dimensão do capitalismo racial for ignorada.


Tradução de Andrea Peniche e Paula Sequeiros.