Corpos à margem, uni-vos!

Enquanto a heterossexualidade permanecer uma instituição, a luta LGBTQIAP+, ou simplesmente a luta queer, não terá fim à vista.

Não olhemos para os conceitos como exclusivamente universalizantes, mas sim enquanto representantes de ideias contra-hegemónicas, que rejeitem as normas sociais dominantes de sexo, género e orientação sexual. Por vezes, o LGBTQIAP+ pode correr o risco de suscitar separações artificiais dentro da própria comunidade, como se a luta de categorias identitárias se tratasse. É premente que se evite tratar o género e a sexualidade de forma apolítica, reclamando as nossas existências como identidades pré-estabelecidas e advindas de um enquadramento histórico-social falsamente universal. Empreguemos, então, os conceitos queer ou LGBTQIAP+ como ferramentas de oposição à cisheteronormatividade que ambicionem uma ordem social que vá para além de categorias identitárias separatistas e que, acima de tudo, reconheça a sua natureza política.

Não pretendo, de todo, deslegitimar a importância e necessidade de rótulos tão claros como os que a comunidade LGBTQIAP+ permite. No entanto, a instituição “heterossexualidade” tem-se aproveitado das suas fragilidades para perpetuar os seus pilares – o casamento, a monogamia, o binarismo de género, a reprodução, etc. – conseguindo, assim, estipular uma hierarquia entre os sujeitos. Tomemos como exemplo a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, uma vitória clara para os direitos queer. Mas importa ter em consideração que o movimento da igualdade no casamento procura inclusão na instituição heterossexual do casamento. Ou seja, a alegada aceitação do casamento homossexual, passa por integrar os indivíduos nas normas dominantes para que, desse modo, possam ser vistos como “bons cidadãos”, devido ao seu “bom comportamento homossexual”, ou seja, o mais igual possível aos do heterossexual.

Fala-se, portanto, de uma política de respeitabilidade que se traduz na assimilação do áxis heterossexual por parte dos indivíduos homossexuais. Por outras palavras, podem ser concedidos certos direitos aos indivíduos marginalizados, desde que estes mimiquem as práticas heteronormativas. A política de respeitabilidade é, praticamente, uma ferramenta de inclusão no sistema existente, sem procurar revolucionar o próprio. Naturalmente, surge uma hierarquia entre os marginalizados – quem é capaz de assimilar tais práticas recebe mais direitos dentro do sistema, quem não se conforma sofre uma marginalização secundária, gerando ainda mais opressão dentro de um segmento já oprimido e marginalizado. O que acontece, então, à comunidade trans? E a pessoas não-bináries? Ou a qualquer outro corpo que não se conforme com o sistema?

Falemos também do “homonacionalismo”, que se dá a partir da construção de países “atrasados” no que concerne aos direitos LGBTQIAP+, onde apenas as nações do ocidente serão capazes de os libertar e democratizar. A homonormatividade encontra-se aqui diretamente relacionada com o racismo e a xenofobia, ao fazer percecionar sujeitos não-ocidentais como intolerantes, algo que não deixa de ser contraditório, quando no próprio ocidente os mais básicos direitos se vêem na mesma rejeitados às minorias sexuais. De que vale à UE hastear bandeiras coloridas quando alguns dos seus estados-membros são os primeiros a promover uma perseguição à comunidade?

            Esta post-gay era em que vivemos produz narrativas que nos fazem crer que é através da normalização de sujeitos queer e da sua assimilação nos enquadramentos sociais existentes que chegaremos ao fim da luta. Discordemos dessa “normalização” (termo que por si só pressupõe um binarismo entre o que é normal e o que é anormal). Defendamos uma política queer que, em vez de assimilacionista, celebre a diferença em vez de a encobrir. Defendamos uma política queer protagonizada por sujeitos racializados, trans, de classe baixa, imigrantes e que se encontrem à margem de qualquer estrutura e norma dominantes. Defendamos uma política queer que não procure inteligibilidade dentro de uma sociedade binária, monogâmica e “bem comportada”. Defendamos uma narrativa que explore o que ainda falta fazer, em vez dos ganhos limitados de alguns quantos privilegiados.

            O que falta fazer na luta queer, então? Relembremos Butler, que nos explica como o sujeito é criado através das normas de performances de género e da sua reprodução. Simplificando, assimilemos que somos meras performances construídas desde antes da nascença, e que por isso, devemos libertar os ousados e corajosos que a elas desobedecem.