Duas frentes na luta climática

A luta climática está, como todas as outras, condicionada a avanços e recuos. O que constitui uma vitória ou uma derrota varia consoante a análise da realidade e a estratégia posta em prática, mas, talvez idiossincraticamente, a ciência climática impõe-nos limites objectivos – o mais popular deles é o do limite do aumento da temperatura média do planeta a 1.5ºC, embora não seja o único. Mas medir avanços e recuos face a objetivo tão complexo quanto 1.5ºC não é uma tarefa fácil. É a transladação de um texto científico para um texto político, e por isso, quem é tentado a avaliar o avanço da luta climática pelo avanço da concretização do 1.5ºC, cairá no erro de conjugar os dois textos num só.

            Partamos de uma evidência. Não existe neste momento, nem vontade política a nível mundial para fazer a transição ecológica necessária, nem um movimento de massas internacional organizado que consiga impor essa vontade política. O grande movimento que se identificava em 2019 nos moldes do Fridays for Future for debilitado pela pandemia e sofreu vários golpes – alguns auto-infligidos, outros externos. Nesse sentido, a fronteira política está muito atrás da fronteira cientifica. Isto é, não dispomos hoje da relação de forças certa nos países certos para fazer uma transição ecológica – e não é certo que algumas vez disponhamos. E a crise climática também ainda não conseguiu criar as contradições necessárias dentro dos sistemas capitalistas, e as tensões sociais certas para alterar essa relação de forças.

            Uma nota: talvez possamos dizer que o começa a fazer com a gravidade de fenómenos meteorológicos extremos, entre os quais as ondas de calor e as secas, mas teremos de ser estratégicos e conseguir antever quais desses fenómenos realmente conseguem gerar tensões sociais. Apesar disso, por muito graves que estes fenómenos sejam, ainda não surgiu um contexto sóciopolítico entre os incêndios e as secas que permitisse a criação de tal movimento de massas, e construir uma estratégia em volta disso é ficar sentado à espera de Godot.

            Mas adiante, o objetivo deste texto não é explicar como se aproxima o texto político do texto científico, mas antes centrar-se sobre as disputas políticas reais que conseguimos fazer em Portugal neste momento.

Resistir (também) é vencer

            Uma das estratégias políticas mais importantes, mobilizadoras, e com vitórias concretas que temos tido na luta climática em Portugal é a da resistência. Ela constitui uma frente contra o aumento da emissão de gases com efeito de estufa em Portugal. Para além do movimento contra as minas, a estratégia de resistência a novos projectos no cercal alentejano, em Tróia, na costa vicentina e, na verdade, um pouco por todo o país tem gerado focos de luta regionais que, muitas vezes com o mote da conservação ambiental, disputam pontos nevrálgicos importantes da infraestrutura fóssil e poluente no país.

            São lutas que criam militância e que servem de porta de entrada para a luta climática. E disputam localmente muito do que tem sido a política climática do Partido Socialista: proteger legalmente as áreas para depois, através dos Projectos de Interesse Nacional, criar megaprojectos pintados de verde que na verdade colocam em risco os ecossistemas e raramente prometem um corte de emissões.

            Talvez a maior vitória nesta frente, e uma das maiores vitórias do movimento climático em Portugal até hoje, tenha sido a aprovação no Parlamento, em 2022, de uma moratória à mineração em mar profundo até 2050, que é o resultado de um conjunto de lutas organizadas nos últimos anos contra a exploração de petróleo na nossa costa, quer por associações locais, quer por ONGs. Não obstante, com a queda do Governo o futuro desta moratória está suspenso.

            A seca e o modelo económico no sul do país estão a criar novas tensões que dão espaço e mote a estas lutas, em particular sobre os parques fotovoltaicos, os projectos de turismo – como aconteceu em Portimão com a zona do João De Arens – e com a agricultura intensiva. Estas são as portas de entrada que precisamos de encontrar e aprofundar para mobilizar populações e criar consenso sobre transição ecológica.

Lutar por um programa de transição ecológica

            A outra frente da luta climática que nos deve preocupar é a da redução das emissões. A complexidade deste processo significa que para conquistar avanços significativos nesta área, precisamos de desenvolver um programa de reivindicações transitórias, propositivas, e que apele a quem trabalha. Isso significa criar empregos climáticos, desenvolver setores da economia com pouco impacto nas emissões e garantir a requalificação e o emprego de quem trabalha nas indústrias poluentes.

            Sob o lema da planificação ecológica, este programa de transição terá de ser o centro da disputa climática e de um movimento de massas nas ruas que consiga construir alianças sérias com sindicatos e organizações de trabalhadores. Em Portugal, essa é uma batalha desnivelada e difícil, mas não pode ser contornada nem ignorada. Com a relação de forças desfavorável que temos, o movimento climático que antagoniza e divide os trabalhadores para se entrincheirar em táticas mediáticas e simbólicas está destinado a falhar.

            Mas não nos enganemos. Enquanto não tivermos um programa de transição sério pronto, todas as disputas em volta do clima, sejam elas lideradas por que sujeitos políticos forem, serão sempre impotentes e apenas um grito contra a inação. Quando tivermos um plano de transição ecológica pronto, teremos um grito pela ação, e é disso que precisamos.