Os resultados das eleições europeias foram recebidos com uma espécie de afeto caloroso pelas lideranças do Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, e da Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (S&D), de centro-esquerda que, temendo o desmoronamento do seu reinado às mãos da extrema-direita, terão ficado aliviados pelo facto de a relação de forças parlamentar ter ficado relativamente intacta.
Escondido debaixo desta celebração de fachada que se defende com a distribuição do número total de mandatos, está uma realidade mais sinistra: os centros de poder na União Europeia estão infestados pela extrema-direita. Em França, o Rassemblement National de Marine Le Pen tem uma vitória esmagadora, somando sozinho mais mandatos que as coligações de centro-direita e centro-esquerda juntas (ao mesmo tempo, a coligação do Reconquête de Eric Zemmour passa de 1 para 5 eurodeputados); em Itália, Meloni ganha mais 14 eurodeputados para vencer a noite eleitoral; na Alemanha, a AfD fica à frente dos partidos do Governo.
Em vez da reestruturação do Parlamento Europeu que as sondagens erradamente previam, o efeito das eleições é outro. A extrema-direita consolida a sua posição no Parlamento Europeu e os resultados são usados como barómetro da política nacional. Macron dissolve a assembleia, o governo de Olaf Scholz sai ainda mais fragilizado, Meloni fortalece a sua posição. E o centro celebra enquanto a extrema-direita se põe à vontade.
Não é que o incómodo seja muito. Aliás, Ursula Von Der Leyen que se recandidatava à presidência da Comissão Europeia, dizia já antes das eleições, e com tranquilidade, estar disposta a negociar com os Reformistas e Conservadores para assegurar a sua reeleição. É mais um episódio que confirma aquilo que já sabemos: o centro não perde tempo a fazer acordos com a extrema-direita para se manter no poder.
A esquerda, no entanto, não benefícia desta farsa política. O The Left resiste às eleições e perde apenas um lugar no Parlamento Europeu, mas os partidos da esquerda europeia não encontraram ainda formas de mobilizar o voto em massa, saindo derrotados de umas eleições centradas nas migrações e no crescimento da extrema-direita. Com exceção de quatro países – dos quais se destaca a França – os partidos da esquerda europeia não avançam e os seus melhores resultados são apenas e simplesmente a resistência.
Essa tendência é particularmente frustante quando temos em conta a queda dos Verdes Europeus. A família política, que é na verdade uma miscelânia de partidos de causas, vagamente progressistas, piratas e até partidos de agricultores, normalmente criados à imagem dos Verdes alemães, perde 19 eurodeputados. O mundo pós-ideológico sai caro e o Fridays For Future está reduzido a poucas centenas de pessoas, mas nem por isso a esquerda europeia, a New Green Left, consegue captar quantidades significativas de votos descontentes com os partidos verdes que, como se vê na Alemanha, jogam com todos e não têm linhas morais. Essa incapacidade estrutural de disputar os votos dos Verdes – até quando os Verdes perdem votos – prejudicará a esquerda a longo termo, não no seu formato ‘europeu’ mas nas disputas nacionais onde muitas vezes partilham eleitorados semelhantes. Na Alemanha, por exemplo, onde os verdes mais perdem, a esquerda perde também.
Dos liberais, que pelos números parecem os grandes derrotados das eleições, não se pode dizer tanto. Têm três grandes derrotas na França, em Espanha e na Roménia, e são o grupo que perde mais mandatos. Mas a análise aprofundada mostra que a queda dos liberais não é uma tendência que atravessa a Europa. É antes um resultado do fracasso da política liberal, particularmente em França, onde Macron é brutalmente derrotado, e da impotência da coligação nacionalista liberal em Espanha. Em praticamente todos os outros países, no entanto, os liberais elegem novos deputados ou resistem consistentemente.
Em Portugal, onde o cenário político mudou bastante desde 2019, a subida da direita é o facto político da noite eleitoral, mesmo que o Partido Socialista tenha ficado marginalmente acima da Aliança Democrática. A extrema-direita e os liberais ficaram colados, numa campanha em que toda a direita aproveitou para atirar contra a regularização dos imigrantes ilegais. A esquerda resiste no parlamento europeu, mas fica por um fio. Os Verdes também por cá perdem a sua representação na Europa, vítimas da continua polarização da política nacional e da sua própria recusa em falar dos problemas de Portugal no contexto europeu, preferindo antes refugiar-se na grandeza do projeto europeu.
As grandes ideias europeias não foram o destaque da campanha portuguesa – como raramente são nos países semi-periféricos da UE. O debate da imigração, apesar de ser transversal à Europa, foi marcado aqui pelo plano para as migrações do Governo de direita. Aliás, a AD aproveitou os anúncios do Governo para ir direcionando a campanha eleitoral ao seu gosto. Um falhanço duplo. Nem Sebastião Bugalho é vencedor, nem o é o povo português, que apesar da descida da abstenção voltou a mostrar a sua falta de interesse por eleições onde sente que nada de importante está a ser jogado.
Para lá do susto das sondagens, o Parlamento Europeu fica com uma composição não muito distante da que tinha antes. O “terramoto político” que se avisava a cada esquina não chegou na reconfiguração do parlamento, mas sim nas vitórias da extrema-direita no eixo franco-alemão. Estas eleições deixam-nos um aviso para o que se aproxima nas salas de reuniões de Berlim e Paris. É a partir dessas salas que a União Europeia é governada. Se a extrema-direita ganhar nos centros de poder da Europa, a relação de forças no Parlamento Europeu perde a sua importância. Enquanto isso não acontece, a direita tradicional vai celebrando a sua vitória enquanto adota as políticas extremistas como suas próprias.
*Este artigo foi escrito e publicado antes do resultado inesperado da segunda volta das eleições francesas e antes da adesão do M5S e outros partidos aos diferentes grupos parlamentares europeus. Por isso, a análise pode conter algumas incoerências.