Em busca do parassocial autêntico

O LinkedIn é uma rede social “profissional”. Neste mundo, os perfis são essencialmente CVs. A maior parte dos utilizadores desta rede exibe o seu lado mais competente e formal, elencando sempre “com muita honra” qualquer diploma ou mérito recebido, procurando melhorar os seus índices de empregabilidade.  CEOs e venture capitalists dedicam-se à disseminação da narrativa que já conhecemos sobre empreendedorismo, em formato post, enaltecendo feitos empresariais e negócios lucrativos, num híbrido entre propaganda e networking. As empresas também têm os seus próprios perfis institucionais, divulgando frequentemente os seus eventos de socialização forçada ou as suas mesas de ping-pong, em publicações decoradas por muitos emojis coloridos e hashtags do tipo #queBomÉTrabalharAqui. 

É neste contexto que se torna viral a fotografia de um CEO americano de uma start-up, de olhos vermelhos e com a cara ensopada em lágrimas, publicada pelo próprio e acompanhada de um texto sobre os seus sentimentos depois de ter despedido dois empregados. “A coisa mais vulnerável que alguma vez partilharei”, escreve. 

Este exemplo, ainda que espantoso pelo nível de falta de tacto e por ter surgido numa rede social tipicamente mais impessoal, não é caso isolado. As redes sociais têm sido até aqui montras de vidas e de corpos perfeitos, em que os sujeitos o deixam de ser e passam a ser protótipos. Mas essa busca da perfeição artificial deu origem a movimentos de refluxo caracterizados pela procura de autenticidade e pela visibilização das questões de saúde mental. As fotografias tiradas com filtros de beleza e fortemente editadas dão lugar a imagens cruas de caras a chorar ou de corpos com cicatrizes e estrias (“body positivity!”). As contas públicas de Instagram dão vez a contas privadas “só para amigos” que se tornam “lugares seguros” para revelar ainda mais sobre as nossas vidas. Os vídeos das férias de verão paradisíacas ou de concertos de bandas famosas perdem centralidade para vídeos do tipo day in a life que retratam a rotina de vidas quotidianas.

Outra grande expressão desta busca pela autenticidade é o exponencial crescimento da aplicação BeReal. Com um nome muito sugestivo, a premissa desta rede social é permitir aos seus utilizadores a publicação de apenas uma foto por dia, num horário aleatório em que todos os utilizadores recebem uma notificação ao mesmo tempo (“It’s time to be real!”, “É tempo de ser real!”). Cada fotografia só pode ser vista pelos outros utilizadores no próprio dia. Sendo sempre possível falsificar a autenticidade (como limpar a secretária para não parecer tão mal, ou esperar para abrir a notificação num momento mais interessante), também é verdade que estas novas formas de participar nas redes sociais dão mais passos no alargamento da fronteira entre o publicável e o privado – se a notificação nos aparece enquanto estamos na casa de banho, é provável que muitos de nós optem por publicar uma selfie tirada nesse mesmo lugar…

Diz-nos o filósofo coreano Byung-Chul Han que vivemos hoje numa sociedade sem respeito. O respeito pressupõe um pathos de distância, e hoje este é substituído por um olhar sem distância, típico do espetáculo. O mundo das redes sociais canibaliza a distância do olhar, misturando o público com o privado. Mas a proximidade do olhar não é mais do que uma simulação de uma proximidade social, típica das relações parassociais. 

Essa simulação de proximidade social pode ser observada até nos casos mais extremos de isolamento social. Os hikikomori (expressão japonesa que significa literalmente “estar confinado”) são indivíduos, tipicamente jovens, que se removem quase totalmente da sociedade e que vivem sozinhos sem sair dos seus quartos por longos períodos de tempo. Estima-se que só no Japão vivam mais de 500 mil pessoas nesta condição. Estas pessoas não deixam, apesar de tudo, de simular a sua participação no mundo social, por exemplo através da construção de relações fantasiadas com personagens de anime e banda desenhada ou estrelas pop.Tal como os hikikomori em relação aos seus ídolos, não passamos a participar mais (ou sequer a existir) nas vidas de quem seguimos digitalmente por as passarmos a ver mais de perto. Essa é a grande ilusão desta vaga de falsa autenticidade: a ideia de que estamos mais próximos, quando na realidade nos continuamos a afastar.