Empregos para o Clima em Sines: uma experiência a reforçar

chegaram as máquinas para talhar a cidade que vem / (…) estenderam-se tubos prateados onde escorre o negro líquido / levantaram-se imensas chaminés, serpenteiam auto-estradas na paisagem irreconhecível do teu rosto

Al Berto, Mar-de-Leva (sete textos dedicados à vila de Sines), 1976

Sines e arredores viram um processo de engenharia social e ecológica como não haverá outro exemplo em Portugal. No final do Estado Novo e início da democracia, uma vila piscatória e corticeira vive uma transição forçada que a transforma num dos maiores polos industriais no país — uma central termoelétrica, um complexo petroquímico, o maior porto nacional. Os versos do poeta sineense descrevem o trauma humano e ecológico de um território moldados tecnocraticamente em função da grande aceleração impulsionada globalmente pelo Capital Fóssil.

Esta transição implicou a importação de mão-de-obra migrante, em grande medida cabo-verdianos, para construir, sem segurança nem direitos, o complexo, muitos deles depois descartados. Implicou a expropriação de terras, a destruição da paisagem, a diluição de um orgulhoso proletariado corticeiro, a ruína da pesca tradicional.

Não sem resistência: em 1982, a vila levanta-se, numa quase greve geral local, encabeçada pelos pescadores que bloquearam o porto com os seus barcos, protestando contra as descargas não tratadas do novo complexo industrial. Algumas medidas de proteção ambiental são conquistadas, mas a vila é agora outra cidade. Um polo industrial moderno a que se juntou Vila Nova de Santo André, uma espécie de bairro periférico ao estilo da linha de Sintra enxertado nas dunas. Uma classe operária concentrada, em parte qualificada, desempenhando funções de alto risco; o concelho com mais emissões de dióxido de carbono per capita, mas também de maior rendimento médio da região, e evidentes problemas de saúde pública sigilosamente documentados. Uma rede de dependência e exploração de uma máquina fóssil tóxica.

Hoje, a região vive uma outra transição trágica, mantendo-se zona de sacrifício. Por um lado, dá-se uma descarbonização parcial, feita à custa de quem trabalha. O encerramento apressado da central termoelétrica pela EDP deixou centenas de famílias sem futuro. Ao mesmo tempo, a principal infraestrutura emissora do país, a refinaria da Galp, mantém-se ativa e a REN expande o terminal de gás. A par disto, avança a construção de um data center, sugador de água e energia; anunciam-se quimeras de produção de hidrogénio, não ao serviço da descarbonização, mas da exportação; um pouco a norte, o turismo de luxo engole as dunas; e a sul, no Cercal e em Santiago do Cacém, megacentrais fotovoltaicas são instaladas, não para substituir a energia fóssil e garantir emprego, mas para servir os novos megaprojetos. Mais: a agricultura intensiva engole o resto da região, esgotando solos, sorvendo a água, assente na ultraexploração de trabalhadores migrantes em condições sub-humanas — como acontece já na pesca. Novas fronteiras da expansão extrativista, não poucas vezes mascarada de verde, que não chegam a substituir o modelo fóssil vigente. Expansão, em vez de transição energética. A concentração, o monopólio, o esgotamento da terra e do trabalho é modelo que se mantém nas mãos dos mesmos gigantes, como a EDP, antes dona do carvão, agora patroa do solar.

Identificando aqui um nó de conflito estratégico, a Campanha Empregos para o Clima começou a dinamizar um núcleo na região: um Grupo de Trabalho (GT) com operários, no ativo ou anteriormente empregados na central a carvão, e ativistas ambientais da região. Sindicalistas, junto com membros do movimento Juntos pelo Sudoeste ou da Plataforma contra o Transporte de Animais Vivos; além de uma rede de contactos, com ex-autarcas, pescadores, académicos.

O GT publica o boletim Verde Justo, distribuído à população e aos trabalhadores fabris, onde parte dos problemas já sentidos — a seca e a especulação imobiliária, por exemplo, — para explicar a necessidade da descarbonização e propor alternativas. No seu primeiro número, exigia-se à Comunidade Intermunicipal o uso de 100 milhões do Fundo de Transição Justa para a requalificação do ex-trabalhadores da Termoelétrica, assegurando trabalhos na energia renovável. No passado dia 5 de outubro, o GT ajudou a dinamizar (com muitas outras pessoas) uma marcha que juntou os ativismos da região por uma «Transição Social e Ecológica Justa». A 18 de novembro, promove-se um primeiro Encontro por Transição Justa em Sines e no Litoral Alentejano.

Trata-se de um trabalho de base que vale a pena fortalecer; uma abordagem pouco comum no movimento climático. O objetivo estratégico é o de apoiar formas de organização e luta para garantir que uma transição energética e ecológica na região é feita com quem trabalha, não à sua custa — pois só assim pode vingar.

Para nós, da esquerda anticapitalista, trata-se de estar onde sempre estivemos: ao lado da classe que tudo produz, não à espera da sua irrupção messiânica, mas construindo o seu protagonismo plural, interseccional e combativo para uma superação do capitalismo fóssil que garanta trabalho, igualdade e um planeta para viver. Ecossocialismo, portanto.