É inegável que, após um passado colonial, haja laços permanentes entre o Brasil e Portugal. Ainda assim, em Portugal se sabe muito mais sobre o Brasil do que no Brasil se sabe sobre Portugal. Pudera, o tamanho continental de um, comparado ao outro… Apesar disso, há muitas pessoas brasileiras que veem no migrar para Portugal uma oportunidade de ter uma vida melhor do que a que têm/tinham no Brasil. Quais sejam as motivações da diáspora, também é verdade que, sem as pessoas migrantes, Portugal teria muitas mais dificuldades em sustentar-se economica e socialmente.
A mistura cultural nas ruas das cidades portuguesas não nos deixa imunes ao grande número de brasileiros residentes no país. No café, na padaria, no supermercado, nas lojas, ao andar na rua ouvimos, muitas vezes, o português do Brasil. A cultura brasileira acompanha a exponencial subida de residentes, trazendo muito mais concertos de cantores brasileiros, maior oferta de comida típica nos supermercados e a consolidação de rodas de samba onde calhar e souber bem.
Atualmente, a emigração de pessoas para o Norte Global não pode ser caracterizada apenas como um desejo de quem migra por uma vida melhor. Mas, também, tapar um buraco da mão de obra não especializada nestes países. Afinal, as pessoas migrantes têm um papel fundamental no mercado de trabalho e na contribuição fiscal nos países em que se fixam. Nesse sentido, para a construção do interesse migratório, os media e os influenciadores digitais têm um papel importante em ações para atrair pessoas imigrantes para onde o mercado de trabalho necessita de mão de obra barata, nomeadamente, ao setor de serviços e turismo. Ou seja, incentivam a vinda de quem quer emigrar do seu país de origem, com uma perspetiva positiva que, por vezes, não traduz a realidade aqui vivida, ou omite as dificuldades e variáveis que imigrar acarretam para quem decide sair do seu país. A força de angariação aumenta maioritariamente quando estes setores são a principal fonte de receitas do país.
Portugal, por meio de acordos recíprocos com o Brasil, vem a estabelecer um caminho utilizado por brasileiros que, individualmente, decidem deslocar a sua força de trabalho para além-mar. A vontade política dos dois países guia esse deslocamento, que permite que alguns documentos sejam emitidos mesmo antes da autorização de residência. Assim, são emitidos muitos NIF’s e cadastros na Segurança Social. Evidenciando que, antes mesmo de obterem a garantia da sua residência no país, começam a pagar tributos ao governo por sua atuação laboral, a qual é, muitas das vezes, precarizada.
O Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo de 2022, publicado em maio de 2023 pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, informa que residiam em Portugal 781.915 imigrantes, grande parte com nacionalidade brasileira (239.744). Os imigrantes correspondem a 6,8% da população residente no país, conforme o Relatório do Observatório das Imigrações de 2023. Sendo de 1,6% de nacionalidade de outro Estado-membro da União Europeia e, 5,2% extracomunitária, incluindo o Reino Unido.
Os números dizem-nos que o percentual de estrangeiros não é assim tão alto; contudo, o seu impacto na Segurança Social não passa despercebido. Um texto da Lusa, reproduzido no Diário de Notícias, indicava que os 720 mil trabalhadores estrangeiros contribuíram para a Segurança Social em 2023 com 1.700 milhões de euros, até ao mês de agosto daquele ano. Estima-se que esses contribuintes aportam sete vezes mais para a Segurança Social do que se beneficiam ou virão a se beneficiar. É um retrato tanto da importância da contribuição dos imigrantes que garante subsídios e pensões aos reformados e pensionistas, mas, também, da injustiça do discurso que culpa os imigrantes pelos desafios vividos no mercado de trabalho. Conforme José Soeiro afirmou no Expresso, em dezembro de 2023, «a economia portuguesa depende do trabalho migrante».
A força laboral imigrante traz profundas alterações na caracterização do mundo do trabalho em Portugal, sendo estas estruturalmente importantes para o futuro e configuração do mercado de trabalho. Destaca-se o facto de que as imigrantes registam uma taxa de fecundidade mais elevada e que, através do custoso deslocamento que individualmente decidem efetuar, atenuam a tendência de decrescimento populacional do país. Entretanto, as eleições legislativas e a onda da extrema-direita na Europa trazem novas preocupações às pessoas imigrantes, que passam a temer pela sua segurança e subsistência. Pode-se considerar que há dois pesos e duas medidas em relação a esta parcela da população residente que, não só aqui em Portugal, pois em todo o Norte Global, cumpre um papel importante no setor económico.
A crise da habitação, para além dos desafios de legalizar-se em Portugal, soma-se a falta de «acessibilidade e de estabilidade» e ainda a regimes precários de moradia que «fomentam a discriminação de pessoas imigrantes, assim como os problemas de discriminação impedem as pessoas migrantes de aceder a uma habitação condigna», ou ainda, de apenas se manter numa «habitação adequada» e pelo acesso de uma «via legal», conforme o relatório “Imigração e a discriminação na habitação em Portugal” do projeto #MigraMyths-Desmistificando a Imigração, da Casa do Brasil. Ao contrário do aspeto «positivo» da vinda de brasileiros para colmatar a falta de mão de obra no país, quando o assunto é o acesso à habitação a conversa descamba para outro lado. Xenofobia, racismo e um ano adiantado de rendas ou caução é o discurso que, infelizmente, vem se tornando rotineiro.
É passada a hora de que a garantia de direitos aos imigrantes seja efetiva no país. A tapioca, as rodas de samba, o carnaval de rua já são parte da vida de Portugal, trazendo as cores e um pouquinho do Brasil para cá (a tal brasilidade portuguesa). Contudo, precisamos que a portugalidade brasileira vá para além de usufruir da mão de obra barata, e que reconheça a importância e garanta direitos e dignidade à população brasileira residente cá.