Palestina ou o homicídio da política

Como em todas as guerras, também na Palestina o humanitário é um pórtico para o político. Os milhares de mortos e a imensa destruição – as ruínas das casas, dos hospitais e das escolas são as ruínas de todas as vidas que ali estiveram e que ali haviam de estar – vêm da pior política e, sem a resolver, nunca os mortos – nem os vivos – descansarão em paz.

É a pior política feita de uma dialética imparável entre humilhação e vingança. A catástrofe da expulsão dos palestinianos das suas casas em 1948, a discriminação grosseira no quotidiano do trabalho ou no acesso a eletricidade, a mira das espingardas desportivas dos colonos da Cisjordânia apontadas aos depósitos de água das casas dos palestinianos ou o cerco asfixiante a Gaza, seja por tanques seja por dezenas de checkpoints – eis um sistema de humilhação institucionalizada que se tornou “modo de ser normal” da vida palestiniana na terra ocupada.

A vingança crua, essa é a expressão de que a política deixou de ter espaço para ser a forma de combater a humilhação. Só há espaço para a política quando ela dá esperança concreta de poder ser alternativa à crueza. E os poderosos, tanto locais como globais, que determinam o fluir da vida na Palestina, não querem que a política dê esperança. Eles desacreditaram, dia após dia, os frágeis e mínimos compromissos que a diplomacia conseguiu e amarraram os palestinianos a um acordo que já não estava lá enquanto eles próprios o violavam com mais e mais colonatos e mais e mais violência sobre a gente pobre da Palestina. E para esse descrédito da política contribuiu também a queda de parte sensível da administração palestiniana nas teias da corrupção e do conluio com os ocupantes. O resultado foi a substituição da resistência política pelo messianismo e da exigência democrática pela tirania teocrática.

À tragédia da ocupação colonial da Palestina somou-se a tragédia da hegemonia conquistada, de um lado e do outro, por uma interpretação messiânica do Livro e da História que faz do absolutismo a única lente legítima para ler a realidade e o destino.

Face ao esgotamento da política que a deriva messiânica alimenta, só uma diplomacia internacional responsável pode parar a guerra e tirar o debate da contabilidade dos mortos para o recentrar sobre o essencial: a autodeterminação do povo palestiniano. É por saber isso que o governo de extrema-direita de Israel faz fogo arrasador sobre as Nações Unidas e o seu secretário-geral. Netanyahu sabe que as Nações Unidas são o quadro em que uma solução política reganhará a força da razoabilidade. Por isso se apressou a fazer de Guterres um inimigo.

A esquerda internacionalista só pode denunciar frontalmente esta manobra. E, sem fingir acreditar que a ONU é o que não é, tem de fazer sua a exigência de uma solução política assente no regresso às fronteiras de 1967 e na independência plena da Palestina. A esquerda internacionalista é o campo em que todo o arrojo do horizonte buscado se combina com todo o realismo que consegue forças concretas que façam dar passos concretos em direção a esse horizonte.