Israel: Todos contra a reforma judicial

Desde que entrou em funções, em dezembro passado, o governo israelita, uma coligação de extrema-direita liderada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, tem procurado introduzir alterações significativas na legislação respeitante ao Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que, se aprovadas, restringiriam a capacidade do STJ para anular leis que considere inconstitucionais e permitiriam que uma maioria simples no Knesset (o parlamento) rejeitasse decisões do STJ, podendo aprovar leis que este tivesse rejeitado. Para além disto, essas propostas dariam ao governo o poder de indicar a maioria dos membros da comissão que nomeia os juízes e retirariam poderes essenciais ao Procurador-Geral, diminuindo gravemente a independência do poder judicial.

Se muitos dos membros da classe política que apoiam a reforma acreditam que ela é um meio de limitar um poder judicial que consideram demasiado independente e interventivo, Netanyahu tem uma motivação pessoal acrescida que muitos acreditam ser o seu principal interesse: Netanyahu está acusado de corrupção num processo judicial em curso e a proposta foi vista como uma tentativa de alterar a lei em benefício próprio, de modo a evitar a prisão e a manter-se no poder.

Estas propostas de reforma judicial tiveram uma oposição sem precedentes. Durante dois meses de mobilizações de massas por todo o país, centenas de milhares de israelitas de todo o espetro político e social saíram às ruas, recorrendo a greves e a manifestações para mostrar o seu repúdio: soldados das forças especiais e pilotos das unidades de elite fizeram greve e militares na reserva e antigas chefias militares manifestaram-se contra a reforma; diplomatas no estrangeiro demitiram-se dos cargos; empresários ameaçaram paralisar a economia; o influente sector tecnológico fez greve; a finança (bancos, agências de notação de crédito, investidores) e até o governador do banco central de Israel afirmaram que a reforma prejudicaria o clima empresarial e de investimento do país; a maior federação sindical de Israel anunciou uma greve geral pela primeira vez na sua história; trabalhadores dos setores privados e públicos, estudantes, professores, envolveram-se em manifestações de rua reivindicando o abandono das propostas do governo. Apesar desta diversidade, a maioria dos manifestantes era de classe média e de direita, tendo as preocupações com as questões palestinianas estado ausentes das reivindicações. 

Os protestos atingiram um pico quando Netanyahu demitiu o ministro da Defesa por ter afirmado publicamente que a reforma judicial seria prejudicial à segurança nacional. A 26 de março, mais de 600.000 manifestantes encheram as ruas para desafiar o governo de extrema-direita, ultranacionalista e ultra-ortodoxo, paralisando as cidades israelitas, encerrando desde aeroportos a centros comerciais, passando por hospitais, universidades, administrações locais, o sector público, os cuidados de saúde, o banco central, a bolsa de valores, os transportes, os museus. Netanyahu acabou por adiar a votação da reforma para a sessão de Verão do Knesset, mas não a abandonou e manteve junto dos seus parceiros extremistas o compromisso de a aprovar.

Mas a questão da reforma judicial é apenas um dos elementos do ataque do governo de extrema-direita ao Estado de direito. O governo de Netanyahu está também a tentar aprovar alterações radicais na forma de administração israelita dos territórios ocupados, principalmente na Cisjordânia, e um conjunto de outras alterações legislativas gravosas para os palestinianos. Os três elementos principais da coligação governamental (o partido de direita Likud, de Netanyahu, os partidos dos colonos ultranacionalistas e os partidos ultra-ortodoxos) têm interesses específicos: para Netanyahu seria benéfico que os tribunais vissem o seu poder diminuído, numa altura em que tenta escapar a acusações de corrupção de longa data; para os colonos ultranacionalistas as alterações judiciais seriam uma forma de concretizar a anexação da Cisjordânia ocupada, de eliminar obstáculos legais ao aumento dos colonatos e de impedir a punição de atrocidades como um recente pogrom dos colonos na aldeia de Hawara, na Cisjordânia; finalmente, os apoiantes ultra-ortodoxos pretendem, entre outras coisas, alterar a decisão do STJ de lhes recusar a isenção do serviço militar e isentar as suas escolas dos requisitos obrigatórios de educação.

É importante ter em mente estes diferentes objetivos dos elementos da coligação de extrema-direita, alguns deles integrando pela primeira vez o governo e, por isso, com oportunidade de fazer avançar as suas agendas extremistas, para se perceber que o atual ataque do governo ao Estado de direito é mais vasto, pretendendo aprofundar o estatuto de Israel enquanto Estado invasor, ocupante, praticante de políticas de apartheid e á margem da lei internacional, cada vez menos democrático e cada vez mais lesivo dos direitos humanos, dos direitos dos árabes israelitas e do povo palestiniano.