Linguagem que serve pessoas, pessoas que não servem a linguagem

O Workshop de “Linguagem Inclusiva”, no Acampamento Liberdade, serviu para desconstruir os mitos e polémicas e munir de estratégias quem pretende adequar a sua linguagem para incluir o maior número de pessoas. 

Realizado por mim e Nico Moniz, ativista da rede ex aequo – duas pessoas não linguistas, não especialistas na língua portuguesa – introduzimos o tema, explicando que por “linguagem inclusiva”, falamos em alterações que permitem incluir mais pessoas, relativamente ao seu género. Significa também que a exclusão não termina aqui, e que a reflexão sobre a inclusividade da nossa língua deve continuar a ser feita.

“Boa tarde a todas e a todos!” em substituição de “Boa tarde a todos!” é uma das alterações que demonstra esforço recente e generalizado, em incluir mulheres no discurso. É particularmente importante, em contexto laboral de chefia. Por exemplo, na medicina, temos mais mulheres médicas, do que homens, no entanto o inverso verifica-se em cargos de chefia. Não se trata apenas de inclusão, quando nos referimos “às coordenadoras e aos coordenadores”, mas também do reforço de que a coordenação é lugar de mulheres.

É nesta lógica que ativistas introduzem o sistema elu/eli, incluindo e nomeando pessoas de género não binário. “Boa tarde a todas, todos e todes!”. Neste sistema, pessoas não binárias conseguem servir-se do português para comunicar, sem se sentirem constrangides, limitades ou excluídes de uma língua que nunca es considerou.

Este sistema veio substituir tentativas prévias que utilizavam ‘@’ ou ‘x’ – ‘todxs’ ou ‘portugues@s’ – tornando o texto ilegível e excludente de quem utiliza programas de leitura através do som. Este exemplo alerta-nos a considerar todas as formas de opressão e exclusão que existem, e que a linguagem é uma barreira quando não ponderada. 

No meu dia-a-dia, adequo a minha linguagem ao contexto. Ainda que este seja um dos temas mais polémicos e debatidos, está longe de ser uma das prioridades da luta Trans e LGBI+. Quando realizo formações sobre saúde LGBTI+ a profissionais de saúde, a prioridade é acabar com a queerfobia no SNS, incluir pessoas trans e intersexo em rastreios, que possam ir às urgências sem insultos ou referidas pelo ‘nome morto’, que a saúde afirmativa de género não tenha anos de espera, que gays não sejam considerados promíscuos e infetados à partida, que lésbicas possam ter acesso a saúde reprodutiva e sexual. Portanto, adequo o meu discurso, utilizando expressões neutras em género, sem utilizar palavras “novas”, evitando dispersar a atenção de quem me ouve. “Boa tarde a todas as pessoas!” permite-me cumprimentar quem está presente na sala, sem referir o seu género e sem desviar as atenções para “o bicho da linguagem neutra”.

Escolho as minhas batalhas, principalmente porque estou a lidar com a comunidade médica, que sofre de conservadorismo crónico e detém o poder da acessibilidade da nossa saúde. Porém, como afirma o SOS Racismo “apoiar a linguagem inclusiva não é apenas um ato de liberdade de expressão, mas uma afirmação contra a violência e censura”. Quebrar a cisheteronormatividade, o binarismo de corpos, o machismo, colonialismo, racismo e capacitismo é a luta que nos propomos, e a nossa linguagem terá de a acompanhar.

Finalizamos o workshop distribuindo frases a camaradas (já agora, excelente exemplo de expressão neutra em género), pedindo-lhes que as tornassem o mais inclusivas e neutras em género possível. “Feliz dia dos Namorados!” foi uma das frases atribuídas, com resultados cómicos e pertinentes (afinal ainda que “Feliz dia de São Valentim” seja neutro em género, refere uma figura da instituição responsável por tanta da opressão contra a qual lutamos). 

E tu camarada, como usas a linguagem como arma de luta?