Metal Underground: a força do protesto

Quando pensamos em metal, o mais natural e imediato é pensar em vozes fortes e velocidade, muitas vezes sem perceber com clareza o que cantam.
Alguns fãs do underground inclusive, dirão não conhecer sequer as letras, apenas ouvem pela melodia e ritmo. Mas, para quem procura o metal como refúgio e formade protesto ao mal normalizado, as coisas são bem diferentes. Nós sabemos exatamente as letras.

Tal como o blues foi criado pelos escravos negros como forma de desabafo da escravidão, o metal distingue-se pela força revolucionária. Guitarras distorcidas, guturais agressivos, baixos graves e baterias demasiado rápidas, são as caraterísticas essenciais para conseguir bombear esta força toda.

Fundado a partir do rock e blues rock, o metal foi ainda mais longe na intensidade musical e lírica. Com o passar do tempo, a influência do blues acabou por ser suprimida na evolução do metal, e é aí que as coisas mudam completamente.
Os entendidos da música costumam dizer que é preciso estar mesmo triste para conseguir cantar blues como no fim do século 19 e anos 20/30. Ou seja, com a influência do blues suprimida, existiu mesmo um momento de viragem no metal, onde a tristeza refletida na música fica completamente para trás com o blues, e agora estamos só vigorosos.
E quanto mais underground, mais visível e mais sonoro fica esta força de protesto

Voltando então ao 1º parágrafo deste artigo: será o underground mais concreto e intrínseco do que parece, no protesto sociopolítico? Depende das bandas.

Grandes cabeças de cartaz como Vader, Death, Immolation, Bolt Thrower (e Memoriam), Anaal Nathrakh, Deicide, Kreator, Napalm Death, Dying Fetus, Cattle Decapitation, Exodus, Sodom, Carcass, Rotten Sound, Sepultura, Megadeth, entre outras bandas, são conhecidas pela sua força crítica. O próprio thrash metal por vezes é descrito como ‘a música que reflete a decadência urbana’, e o black metal é conhecido por ser o maior opositor do domínio nocivo e secular da igreja católica no mundo, e os seus crimes antigos e recentes.

Ainda num registo musical diferente dos acima, temos System of a Down, que são conhecidos por ter mobilizado uma geração (especialmente de americanos) a ganhar espírito crítico e debater-se com temas políticos, sociais, ambientais e outros. Especialmente uma forte oposição contra guerras associadas aos Estados-Unidos e, o próprio genocídio arménio pelo ex-império otomano, visto eles serem descendentes arménios.
Sobre protesto contra a crise climática, temos Gojira, por exemplo, no metal progressivo, que colabora com organizações de proteção ambiental e animal.

Mas afinal esse protesto sociopolítico, é contra quê?
Contra o fascismo e regimes ditatoriais, imperialismo e demais tentativas, colonialismo e consequências atuais do próprio desenvolvimento económico e social dessas ex-colónias, os genocídios da história, as guerras antigas e modernas, as armas (o ‘negócio’ mais lucrativo do mundo) incluindo atómicas/nucleares, os crimes da igreja católica desde o império romano até agora, o racismo estruturado… Protesta também contra a desigualdade social e seus efeitos prejudiciais, contra o liberalismo abusivo e capitalismo abusivo (até por vezes mais exposto por bandas de países como os Estados-Unidos), a crise ambiental, a manipulação na comunicação social… Protesta ainda, e até, contra os possíveis abusos na prescrição de medicação e problemáticas da indústria farmacêutica (a saúde é o segundo negócio mais lucrativo do mundo, depois das armas). Enfim, estes males que conhecemos.

Alguns exemplos bem concretos:

Prejudice, intolerance, eye for an eye, you cannot hide behind those empty claims
Your racist pride is nothing but a game, and you will lose, for right is on the side of those who choose to fight for humankind

Kreator, Alemanha
Possível referência à Alemanha nazi, e a vitória dos Aliados na II Guerra

The multinational corporations makes its profit from the starving nations
Indigenous peoples become their slaves, from their births into their graves (…)
Another product for you to buy, you’ll keep paying until you die
Napalm Death, Reino Unido
Possível referência às consequências económicas nos países ex-colónias, como exploração excessiva por parte de grandes grupos económicos atualmente nesses países ex-colónias

Consumer appetites are never satisfied in full, cause the objects they buy can never fill the void
The bottom line is money on the Western power scene, where celebrities and porn can let the population dream / They’re pathetic humans living in advertising glut, who devour with a passion what the mainstream vomits up

Dying Fetus, E.U.A. 
Possível referência ao capitalismo no mundo ocidental e cultura do consumismo excessivo

We got everything you want so you don’t have to think again 
From botanicals to synthetic drugs, pharmaceutical industry is born 
It is not to cure, it’s about to control, your money, your health, they want to own it all
We’ll make you addicted, We love your money much more than your pity health
Hypocrisy, Suécia
(Neste caso não tenho de dizer ‘possível referência a …’, está bem claro a referência.)

Para além disso, o underground aborda ainda questões filosóficas, o existencialismo, o subconsciente, a gestão de emoções, também numa forma de autorreflexão e protesto mas, neste caso, protesto espiritual.

O underground no feminino

Jo Bench abriu grande parte do caminho às mulheres em bandas no underground, ao integrar a altamente respeitada banda de death metal, Bolt Thrower, como baixista. 
Num registo de thrash metal onde a Alemanha sempre foi forte, Sabina Classen é uma vocalista lendária e integrante de Holy Moses. No black temos Onielar, vocalista e guitarrista de Darkened Nocturn Slaughtercult. Mythic, nos E.U.A., é referida como, possivelmente, uma das primeiras bandas com apenas membros mulheres no underground.
E, tal como noutros aspetos sociais e artísticos ao longo dos séculos, chegamos para ficar.
Atualmente temos Nervosa e Crypta como dois grandes exemplos de bandas all-female em grandes cartazes do underground.
No nacional, temos Mafalda Hortas no gutural death metal em Karbonsoul, e antes, Inês Freitas, em Burn Damage. Nas cordas temos as ‘Susanas’, a Gamito, e Brochado, integrante de Skinning. Na bateria temos Helena Peixoto e Marta Brissos. Também na organização de eventos underground há a Rita Limede, líder do Xapada Fest, um dos mais brutais de Portugal. Estes são só alguns exemplos, no nacional e internacional. 

Protesto no underground nacional

Este tema irá ficar para um 2º capítulo porque, desde a falta histórica de apoios na Cultura, até ao encerramento do Stop, há mesmo muita coisa a dizer.
Vou só deixar-vos com uma palavra: Statenskeelturrad (sueco, fundo estatal para cultura)
Com a instauração do Estado Social de Bem-Estar nos nórdicos, perto dos anos 60, passou a incluir um fundo para a cultura, que engloba também o metal (daí os nórdicos serem os países com mais bandas metal, e não só).