“O Estado só complica a vida das pessoas”
Uma sociedade não é uma família. E, na verdade, mesmo dentro de uma família, é preciso formalizar acordos, para que cada pessoa possa ter o seu lugar e a sua expressão sem impossibilitar a das outras. Naturalmente, quando se fala de comunidades que incluem milhões de pessoas, aumenta a complexidade dos acordos de convivência. E essa complexidade precisa de leis e até pode usar uma dose suficiente de burocracia de maneira a facilitar o funcionamento desses acordos. Mas a burocracia em excesso também tem o efeito de complicar e excluir.
Ao Estado deve caber a organização dos acordos que essa sociedade considera fundamentais para uma boa convivência (pelo menos em Democracia). Mas não é só para isso que serve o Estado.
“O Estado é ineficiente e gasta sempre mais do que ganha.”
Não se trabalha pouco em Portugal. Isso significa que muita riqueza é gerada, mas também significa que se trabalha demais porque a distribuição dessa riqueza é feita de forma bastante desigual. À escala do país, o que é produzido também não é distribuído de uma forma equitativa e transparente. Mas isso não é uma inevitabilidade – é uma escolha política.
A preocupação com as “contas certas” também está carregada de falta de clareza: não se pode “gastar de mais” para melhorar a vida das pessoas (investir no SNS ou na Escola Pública, aumentar salários ou garantir habitação), mas se for preciso “salvar um banco” já é possível. Estas são as “contas certas” do capitalismo.
Mas o papel do Estado deve ser responder ao conjunto da sociedade e não às elites económicas. Ou seja, não é um problema da natureza do Estado, é um problema de opções governativas.
“O Estado só serve para cobrar impostos.”
Os impostos são uma parte fundamental da receita do Estado. Eles são a nossa contribuição para que o Estado nos garanta o que devemos exigir dele: saúde, educação, habitação, paz, proteção. E pagar impostos não implicaria esforço se os rendimentos do trabalho fossem suficientes para garantir as condições para uma “vida boa”. Novamente, aqui entram as escolhas políticas que limitam que o Estado cumpra o seu papel e redistribua a riqueza de uma forma justa.Os impostos poderiam ser usados para haver justiça na economia: se há quem muito ganhe com o trabalho alheio e com a especulação, devia contribuir justamente mais.
“O Estado tem de fornecer serviços essenciais, o resto é excesso de controle.”
O Estado tem de garantir os serviços públicos essenciais, sim. E o essencial não é pouco: saúde, educação, habitação, paz, proteção. Mas, além disso, também tem o dever de garantir igualdade de oportunidades para que cada pessoa possa fazer as suas escolhas informadas, livres e conscientes. Isso implica, num contexto de desigualdade social crescente, ter um papel na redução das desigualdades e na promoção da justiça social. E isso faz-se através de políticas económicas mas também sociais. E faz-se através de políticas que protegem os direitos de quem trabalha, de quem paga a sua casa com o seu salário, de quem perdeu o salário ou a casa. Um Estado que nos protege é alguém com muitos (a)braços.
“O Estado devia garantir a segurança e o resto é responsabilidade individual.”
O Estado deve, de facto, garantir a segurança de quem vive no seu território de gestão: a segurança de se ter um tecto para onde voltar em cada dia, a segurança de poder pagar a alimentação com o dinheiro do salário, a segurança de ter atendimento num hospital público quando se está doente ou a segurança de ter creches e escolas capazes de criar uma sociedade futura sempre melhor que a presente. E, sim, a segurança de não viver em guerra, de poder andar na rua sem ser atropelada por trotinetes conduzidas por turistas embriagados, ou de não ter a casa invadida a meio da noite por rusgas policiais. No fundo, para garantir segurança, o Estado tem de garantir muitas outras coisas como o acesso a serviços públicos de qualidade.
“O Estado não deveria meter-se onde o mercado já está, como na saúde e na educação.”
Será que um Estado pode garantir que o futuro é melhor que o presente quando delega aos interesses do Capital as decisões sobre o que é essencial? Quem tem acesso à informação, qual é a informação a que se tem (ou não) acesso, que reflexões fazemos sobre a História, como vivemos a vida em comunidade, ou como construímos o futuro não são meras decisões que possam ser feitas por intermédio do lucro. O mesmo se passa com a vida, a doença, o bem-estar ou a saúde das pessoas. O Estado somos nós para nós, como comunidade, por isso temos de ser nós a saber que futuro queremos construir.