Nas origens da guerra da Palestina

Durante a Primeira Guerra, o governo inglês, pela voz de Lord Balfour, emitiu uma declaração, em 2 de Novembro de 1917, anunciando a sua disposição de criar um núcleo judeu na Palestina, e acrescentando a garantia de que tal não afetaria os outros povos da região. No mês seguinte, o Império Britânico anexou a Palestina, ocupando Jerusalém a 9 de Dezembro. Esse avanço tinha uma justificação e correspondia a uma estratégia. No ano anterior, a Grã-Bretanha e a França tinham feito um entendimento secreto, o acordo Sykes-Picot, para a repartição do Médio Oriente entre as duas potências. Londres queria garantir a Palestina como uma retaguarda para proteger o acesso ao canal de Suez, a via para a Índia, a sua jóia da Coroa, e para servir de tampão em relação aos exércitos otomanos. O acordo foi consagrado, depois da Grande Guerra terminar, por uma decisão da Sociedade das Nações: a 24 de Junho de 1922, a Grã-Bretanha recebeu o mandato para ocupar a Palestina, o Iraque e a Jordânia, enquanto a França controlaria a Síria e o Líbano. O Egipto, formalmente independente desde 1922, continuou ocupado pelos ingleses.

A Palestina teria então cerca de 600.000 muçulmanos, 70.000 cristãos e 80.000 judeus, e durante os anos seguintes à Declaração Balfour e à decisão da Sociedade das Nações, a imigração judaica foi muito reduzida: contaram-se 35.000 pessoas chegadas entre 1919 e 1923, e os números pouco oscilaram depois. A razão era simples: a ideia de criar uma pátria judaica, definida pela religião, era profundamente alheia à cultura das comunidades de origem hebraica espalhadas pelo mundo. Theodor Herzl (1860-1904), o criador do sionismo, ele próprio ateu, afirmava que a terra de acolhimento do seu povo poderia ser tanto a Argentina como o Uganda, mas no movimento predominou a visão de recuperar a terra prometida do Antigo Testamento, o Sião – e daí o nome do movimento, sionismo. No entanto, a comunidade estava dividida: o Bund, um poderoso movimento socialista e anti-sionista, recusava absolutamente a ideia da terra prometida e de ida para a Palestina, defendendo uma estratégia de conquista de cidadania nos países europeus. Foi o Bund que conduz a resistência heróica aos nazis no gueto de Varsóvia. Mas foi aí que foi destroçado.

É certo que o sionismo era um movimento ainda em formação. David Ben Gurion, socialista, dirige a sua maior corrente eleitoral: o sionismo era um casamento entre socialistas e nacionalistas judeus. Foi esse movimento sionista que depressa afirma a sua vontade de poder absoluto, impondo a força e a lei na terra em que se vem instalar. O resultado desta colonização foi uma tragédia para a Palestina, com as terras árabes a serem ocupadas e com a formação de milícias que atacavam as aldeias para expulsar os camponeses.

A partir de 1936, a revolta explodiu. No dia 15 Abril 1936 começou uma greve geral que durou 180 dias: o nacionalismo árabe tomava a palavra, era a primeira intifada contra a colonização. A repressão foi brutal. Churchill, ao testemunhar perante uma comissão parlamentar de inquérito acerca dos acontecimentos em 1937, explicava que toda a violência era justificada e que a repressão das manifestações árabes pela tropa britânica devia ser impiedosa: “Não aceito que o cão do jardineiro determine a lei, mesmo se está no jardim há muito tempo. Não lhe reconheço esse direito. Também não reconheço que tenha sido feito mal aos índios da América ou aos aborígenes da Austrália. Não reconheço que tenha sido feito mal a estes povos, porque uma raça mais forte, uma raça superior, uma raça que possui mais conhecimento, para o dizer de algum modo, veio tomar o seu lugar”. A raça mais forte destruía o cão do jardineiro, que ocupava a terra sem ter qualquer direito. A animalização do adversário, a redução das culturas e identidades a raças, era o eco de um outro discurso europeu que então ensaiava a guerra de extermínio. A Palestina antecipa o holocausto e as suas justificações sinistras. Estas palavras de Churchill devem ficar inscritas no livro de honra do racismo.

Para responder à revolta árabe, o governo britânico aprovou então o Relatório Peel, que propunha a criação de dois Estados, ficando Jerusalém sob mandato britânico. Mas, pouco tempo depois, começou a guerra na Europa, e Londres precisa e usar a sua força noutros teatros militares. Procurando apaziguar a contestação à estratégia de partição da zona, o governo sugeriu por isso uma nova orientação, anunciando a criação futura de um Estado único e pluriétnico, e proibiu a compra de terras árabes por judeus.

O conflito ganhou a partir de então novas formas. Além do nacionalismo árabe que se organizava, as milícias judaicas passaram a actuar violentamente contra os britânicos e, em 1946, um dos grupos mais radicais, o Irgun, chefiado por Menahem Begin, que seria um dos futuros primeiro-ministro de Israel, faz explodir o Hotel Rei David. Era o quartel-general do exército de Sua Majestade e houve uma centena de mortos. A situação tornou-se insustentável para Londres. No ano seguinte, com o apoio dos EUA e da URSS, a ONU votou a partição da Palestina, o começo do fim da presença britânica.

O Estado de Israel foi proclamado a 14 de Maio de 1948. No dia seguinte, começava a guerra: os exércitos dos países vizinhos avançaram, embora sem qualquer coordenação e preparação. Em Julho de 1949, estavam derrotados. Israel contou, entretanto, com um apoio precioso: Estaline ordenou à Checoslováquia que fornecesse as armas necessárias, pensando que com a vitória de Israel a saída da Grã-Bretanha da zona se torna irreversível.

Mas as vítimas foram os palestinos: oitocentos mil fugiram da guerra e abandonaram as suas terras. Israel passou a ocupar metade do território da Palestina, oferecendo parte da Cisjordânia à Jordânia, em troca da cumplicidade e silêncio do seu monarca. A ONU ainda procurou salvaguardar os direitos dos refugiados, através de uma resolução de 11 de Dezembro de 1948, garantindo o seu direito a regressarem às suas terras. É letra morta. Em 2001, as famílias dos refugiados que perderam as suas terras já eram 3,7 milhões de pessoas.

No entanto, nem todos concordavam com a criação do Estado de Israel, que se define como um Estado teocrático: não há Constituição, porque ofenderia a lei religiosa, e a cidadania é definida por uma religião, o que exclui todos os restantes. Ora, é precisamente por razões religiosas que Albert Einstein, que foi convidado para ser o primeiro presidente de Israel, recusou o cargo e recusa mesmo a ideia do próprio Estado de Israel: “O meu modo de conceber a natureza essencial do judaísmo resiste à ideia de um Estado judaico, com fronteiras, um exército e um certo grau de poder temporal, por modesto que seja. Temo os danos internos que isso causará ao judaísmo, e sobretudo o desenvolvimento de um nacionalismo estreito nas nossas próprias fileiras”. Ninguém ouviu Einstein. Foi mesmo esse Estado, e o seu nacionalismo colonizador, que triunfou.