
O ensino como espaço integral de luta climática
A luta climática no Norte global surge de um contexto particularmente interessante. Enquanto no Sul global os principais atores desta luta são as comunidades mais afetadas pela crise climática, no Norte a tendência histórica é que esta disputa seja iniciada nas e pelas instituições que produzem conhecimento, – desde já um indicador da desigualdade entre Norte e Sul – no sentido em que os “cientistas” foram os primeiros a soar o alarme. Desta constatação surgem duas observações interessantes:
A primeira é que o surgimento do movimento climático no Norte global não teve base popular. Ao invés de movimentos sociais que se opuseram à produção do discurso hegemónico institucional, – os movimentos antirracistas, feministas e queer tiveram de lutar contra a produção científica dominante que legitimava a perceção das pessoas racializadas, queer ou das mulheres como factualmente inferiores – a pedra-de-toque do movimento climático foi precisamente a constatação científica de que o comportamento humano está a alterar o planeta.
A segunda é que a produção de discursos legitimadores não tem o impacto para a mudança que achávamos que iria ter. De facto, se foi uma grande conquista conseguirmos que governos por todo o mundo reconhecessem a crise climática, é com grande frustração que observamos a sua inação perante a mesma. O capitalismo tardio conseguiu manter o estado de inércia governamental mesmo quando a esfera pública reconhece o problema e pede ação.
Dito isto, é interessante observar como o movimento climático conseguiu construir a sua base popular nos espaços de ensino. Se por um lado a comunidade científica é a estrutura que dissemina estes discursos, por outro lado a comunidade estudantil é o agente que concretizou, nos últimos anos, a mobilização popular contra as alterações climáticas.
Novos movimentos: problemas e oportunidades
Se esta mobilização estudantil – que surge em pleno século XXI – é esperançosa, ela enfrenta-se à partida com dois problemas. O primeiro é a necessidade de um aprofundamento dos desafios e objetivos que se lhe põem. A ciência não é estática, ela avança, como analiza Khun, através do processo das revoluções científicas. E com cada mudança de paradigma sobre as alterações climáticas, os desafios e objetivos do movimento sofrem alterações. Desde a criação do IPCC em 1988, ao protocolo de Quioto adotado em 1997, aos acordos de Paris de 2015, as metas, os problemas e as soluções apresentados pela comunidade científica para a crise climática foram avançando e recuando consecutivamente. Não há uma estabilização dos objetivos reais para o movimento climático. A última meta é a de restringir o aquecimento global por apenas 1.5º, mas a história diz-nos que esta meta pode mudar rapidamente.
O segundo problema afirma-se no plano político. Afinal, a luta contra a crise climática é ou não é apolítica? Se governos de esquerda e de direita reconhecem o problema e prometem ação, o movimento climático deve manter-se apolítico? Esta questão intesifica-se com o aparecimento de um leque de soluções aparentes para a crise climática, que vão desde o capitalismo verde, ao decrescimento, à transição justa, à parceria público-privada, por aí fora. O movimento popular climático que surge no Norte global do meio estudantil confronta-se então com a necessidade de se politizar. De fazer análises da realidade e de tomar escolhas.
O desafio para a esquerda é precisamente o de politizar a crise climática entre os e as jovens. De pegar num problema cuja legitimidade é praticamente indiscutível no espaço do ensino e aprofundá-lo através de uma abordagem lúcida com objetivos estáveis. Contextualizar a luta climática e levá-la à raíz das alterações climáticas: o sistema capitalista. Este trabalho só pode ser feito através de uma abordagem holística às lutas anti-capitalistas. A interseccionalidade é, necessariamente, o pano-de-fundo para a mobilização da comunidade estudantil através de uma formação que desconstrua o sistema capitalista nas suas diferentes componentes e que coloque o ambiente no centro.
As mobilizações dos estudantes na luta pela justiça climática devem procurar mudar estrutura e cultura. Por um lado, conseguir conquistas materiais dentro do sistema universitário através das associações de estudantes e da pressão pública: a descolonização dos currículos, as universidade livres de combustíveis fósseis, a democratização dos espaços de ensino e o seu livre acesso, entre muitas outras. Por outro lado, é também necessário levar o pensamento e a cultura do combate às alterações climáticas aos espaços de ensino onde estes ainda não chegaram. Formar coletivos e núcleos ecofeministas, antirracistas, ecossocialistas nas faculdades e promover eventos culturais, de socialização, estar presente nas esferas públicas das universidades, nas manifestações. Enfim, ter uma voz dentro do mundo estudantil que consiga atrair mais pessoas.
O maior desafio que se afronta à esquerda no ensino como espaço de luta climática é também a sua maior oportunidade. Há um consenso: as alterações climáticas existem. As suas causas também são consensuais: a poluição, a sobreprodução, a exploração devastadora de recursos naturais. Resta ligar estas causas ao problema fundamental e oferecer meios de luta e de organização que permitam aos e às estudantes combater a sua própria exploração.