Nas últimas décadas foram grandes as mudanças ocorridas nos territórios rurais em Portugal, com fortes transformações ao nível do uso dos solos que foram impulsionadas por diversos fatores socioeconómicos e biogeofísicos, mas em especial pela ineficiência ou ausência de políticas públicas capazes de conduzir a gestão do território em função do interesse público.
Atualmente os territórios rurais estão fortemente calcados pela promiscuidade entre governantes e grandes interesses privados que giram em torno da exploração e/ou posse de recursos naturais. Entre privilegiados pela sombra do Estado, no sector agroflorestal, convém distinguir duas grandes tipologias: a primeira, mais antiga e com expressão a sul do Tejo e a Norte do Algarve, de lógica rentista, onde subsídios comunitários fortemente co-relacionados com a posse da terra representam mais de 100% dos rendimentos da atividade; a segunda, muito produtiva e de lógica extrativista, altamente rentável do ponto de vista económico e de crescente financeirização, beneficia de impunidade ambiental e social e de forte subsidiação pública para capitalização tecnológica. O favorecimento político de formas de produção agrícola e florestal altamente financeirizadas, como são exemplo as fileiras da celulose e dos azeites de origem superintensiva, geram um rasto de destruição de dimensão paisagística que é evidente a curto-médio-prazo e territorialmente indisfarçável.
Nos parágrafos que se seguem, darei alguns exemplos de um passado recente, no que diz respeito à dimensão agrícola e florestal, onde a ação do Estado penalizou fortemente o interesse público, quer pela despesa pública associada quer pelos efeitos adversos das medidas.
Política Florestal
A política florestal em Portugal tem sido fortemente condicionada pelos interesses da indústria da celulose, gerando uniformização da paisagem com eucalipto, uma espécie altamente inflamável, tal como o Pinheiro Bravo – este, em forte e preocupante declínio, tem uma história associada a outras atividades económicas (ex: extração de resina e produção de mobiliário). O pinheiro bravo é em muitos locais a única espécie florestal possível de cultivar, como são exemplo os muitos hectares de montanha com solos pobres e pedregosos ou os cordões dunares da costa atlântica que só a instalação de pinhal conseguiu estabilizar. Depois dos incêndios de 2017, vastas áreas de Pinhal continuam sem gestão adequada, em solos impossíveis de rearborizar com espécies diferentes e que agora estão desprovidos de banco de sementes que possam possibilitar a regeneração natural em caso de novo incêndio (o que levará à perda do património genético melhor adaptado ao território). Algumas das áreas em causa são de propriedade e gestão pública.
São inúmeras as espécies florestais que desempenham funções de elevada importância ecológica e socio-económica quando em povoamentos com dimensão, localização e gestão adequadas. São exemplo a proteção do território contra incêndios, a recarga de aquíferos, preservação de solo e biodiversidade, a captação e retenção de longo prazo de gases com efeito de estufa ou a simples criação de espaços de lazer para populações rurais e urbanas. Com o agravar da crise climática estas funções serão cada vez mais relevantes mas a política pública está longe de as priorizar.
Os principais instrumentos de ordenamento florestal ignoram as alterações climáticas e consideram os povoamentos puros de eucalipto como prioritários, possibilitando o financiamento público da sua expansão. Ao invés de obrigar à diversificação florestal e à redução da vulnerabilidade do território aos incêndios, o Estado incentiva práticas extrativistas que uniformizam combustíveis e aceleram a escalada do risco e perigosidade dos incêndios.
Política agrícola
Se ao nível florestal há uma grande inadequação dos instrumentos de ordenamento, ao nível agrícola estes simplesmente são inexistentes, o que acarreta enormes riscos ambientais, patrimoniais e de saúde pública. O melhor exemplo desta situação encontra-se no perímetro de rega do Alqueva, onde após um enorme investimento público na captação, distribuição e pressurização de água para rega, as áreas agrícolas beneficiadas foram ocupadas com olivais e amendoais superintensivos, num processo de transformação do uso do solo sem a condução de qualquer instrumento de planeamento paisagístico que procurasse a conciliação entre interesses públicos e privados. Apesar de se tratarem de atividades económicas altamente rentáveis e muitas delas enraizadas em fundos financeiros, os seus promotores são subsidiados com pelo menos 30% dos custos de instalação dos olivais com fundos da Política Agrícola Comum que os consideram prioritários e, anualmente, com acesso a água de rega abaixo do preço de custo. Este cenário, como o que relatarei nos parágrafos seguintes não resulta de qualquer fatalidade imposta por Bruxelas, mas sim por decisões de sucessivos Governos.
A PAC representa o principal envelope financeiro destinado aos territórios rurais em Portugal. São 10 mil milhões de euros com aplicação de 2020 até 2027. Num país com elevada heterogeneidade territorial e socioeconómica – na escala espacial e temporal – com oportunidades e dificuldades tão distintas, a aplicação destes apoios decorre com regras e prioridades iguais para todo o território e mais de metade dos seus apoios estão trancados a beneficiários com base em históricos de produção dos anos 90. A promiscuidade entre o poder político e os interesses privados de grandes latifundiários levou a que as medidas da PAC fossem sempre desenhadas para a realidade das explorações dominantes localizadas entre o Tejo e o Algarve. Em consequência, os fatores trabalho e produção, estão excluídos dos critérios de atribuição de apoios, quatro em cada dez explorações agrícolas do país não recebem qualquer subsídios da PAC e entre os beneficiados há 2% que capturam um terço das ajudas.
Apesar das populações rurais terem cada vez menos dependência económica e relação com a produção agrícola e florestal, estão expostas a limitações e a níveis de risco e insegurança crescentes decorrentes destas atividades (ex: grandes incêndios, destruição de património, contaminações do ar e da água, etc.). Este desligamento não foi acompanhado de processos participativos de decisão e tem levado a um cada vez menor envolvimento das populações na gestão do território.