Perigo à vista: o fascismo volta à Itália

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Asia Leonardi

 

“Deus, pátria, família”. É este o lema com que se apresentam os Fratelli d’Italia (Irmãos da Itália), o partido presidido por Giorgia Meloni. Um lema que é demasiado antigo e que esperaríamos ultrapassado, como aliás esperaríamos extinta a chama tricolor que arde no brasão desse partido: uma chama que evoca o simbolismo do Movimento Sociale Italiano (Movimento Social Italiano), colocada lá para arder sob o túmulo de Benito Mussolini. Relutantemente deve ser dito: esta chama ainda arde em Itália e demora a morrer. Os resultados das eleições de 2022 são uma prova clara disso.

Embora Giorgia Meloni tenha afirmado repetidamente que “a direita entregou o fascismo à história”, a ambiguidade com que se movimenta é óbvia e a tensão palpável. Não é por acaso que Meloni iniciou a sua atividade política ingressando na associação de jovens do MSI aos 15 anos. Não é por acaso também que a sua militância e ativismo foram muitas vezes em redor de personagens cujas carreiras foram já tingidas de negro.

Pessoas que ainda se movem na elite do partido, como Francesco Lollobrigida, ex-líder do grupo na Câmara dos Deputados e cunhado de Giorgia Meloni. Relembramos que no dia 11 de agosto de 2012, enquanto Conselheiro de Mobilidade da Região de Lazio, Lollobrigida inaugurou em Affile um mausoléu dedicado ao fascista Rodolfo Graziani, o chamado “carniceiro da Etiópia”. Um colaborador nazi condenado a 19 anos de prisão e incluído pela ONU na lista de criminosos de guerra.

Ou Francesco “Checco” Acquardi, atual presidente da região de Marche, que em 2019 participou num jantar comemorativo da Marcha sobre Roma, que marcou o início do antigo fascismo Italiano.

O currículo do partido é muito claro. Astutamente respondendo “não obrigado” à proposta de participar no governo de Draghi, Giorgia Meloni ocupa o primeiro lugar entre os principais candidatos, mascarando sob o véu de uma mudança teoricamente progressista (ela será a primeira mulher chefe de governo em Itália) um perigoso e assustador retorno ao passado sombrio da Itália.

Do bloqueio naval à flat tax, da reintrodução do serviço militar obrigatório ao extinção dos crimes de tortura por parte da polícia, as propostas de coligação de centro-direita Italiana (Fratelli d’Italia no topo, seguido pela Lega de Salvini e Forza Italia de Berlusconi) abrem-se num panorama surreal. Entre a atitude populista da Lega que continua a incentivar o ódio pelo outro (é de recordar o rosto sorridente do membro da Lega Alessio Di Giulio que, enquanto filmava uma mulher cigana, proclamava “a 25 de setembro vote Lega, para nunca mais a ver!”) e o pensamento perigosamente intolerante de Meloni (que pede censura a um episódio de “Peppa Pig” onde se vê uma família com duas mães, mas que na campanha eleitoral relança um vídeo de um violação de uma mulher italiana por um homem nigeriano), a coligação de centro-direita tem amizades na Hungria de Viktor Orban, no Vox espanhol e no Rassemblement National de Marine Le Pen. Por cá, o novo líder do PSD rejubilou com a progressiva normalização da extrema-direita, estando morto por se coligar com o Chega que também enalteceu a vitória de Meloni.

 

No que diz respeito à crise climática, a coligação planeia instalar catorze centrais nucleares em todo o país, com um custo entre os 280 e 400 mil milhões de euros. Embora nunca se tenham declarado negacionistas das alterações climáticas, todos os partidos deram luz verde às grandes empresas e todos criticam as manifestações do Fridays for Future.

Falam-se ainda de questões controversas como o cancelamento total do subsídio de cidadania (“reddito di cittadinanza”) e a extensão da flat tax: noutras palavras, ricos mais ricos e pobres mais pobres. Mas também se fala de uma reforma presidencial, da negação de ius scholae e ius culturae para todas as pessoas que nasceram na Itália com pais estrangeiros, o que obviamente não os torna dignos o suficiente para exercer o direito à cidadania italiana.

A completar este quadro estão os comentários de Giorgia Meloni sobre saúde mental, definindo anorexia, bulimia, obesidade e automutilação como “desvios juvenis”.

Podendo chamá-los de neofascistas ou conservadores, a direita italiana é monopolizada por um pensamento intolerante, pouco aberto ao diálogo com as novas gerações, pronta para “levantar a Itália” (é este o slogan da campanha eleitoral) e para a lançar num poço enlameado “tradicionalista”, paralisando o país diante de um mundo em contínua mudança e evolução.