
Pontos sobre Bolsonaro
Artigo por Ana Bárbara Pedrosa, escritora.
1) De repente, ressignificamos a literatura. Musil escreveu “O homem sem qualidades” na primeira metade do século XX. No século seguinte, é impossível não pensar em Musil ao olhar para Bolsonaro. Chega a ser insultuoso, claro, relembrar um cerebrado ao ver um símio.
2) Pior do que Bolsonaro ter sido eleito só ouvi-lo. Quase 300 milhões foram infectados com covid, mas ele acha que brasileiro fica pulando em esgoto e não acontece nada. Não há como provar sem experimentar e Bolsonaro experimentou e resultou. Ninguém sabe como é que o esgoto não morreu.
3) O homem diz-se ao leme e que quem se contamina pelo vírus não tem com que se preocupar. Toda a gente o ouviu dizê-lo, excepto 5 milhões de mortos, 616 mil dos quais brasileiros.
4) Toda a gente tem um vizinho meio maluco que é negacionista do que tem em frente aos olhos. O povo brasileiro é maior do que os outros e tem um presidente.
5) Com isto, a expressão saiu da metáfora. Em vez de bobo da corte, temos Bolsonaro no Planalto e ninguém dá pela diferença. O gajo não quer restringir a entrada de não-vacinados, e tudo bem, porque com tanto deus-dará já deve estar tudo infectado.
6) Os viajantes agradecem porque pior do que ter Bolsonaro numa posição de poder só mesmo espetar uma zaragatoa no nariz. Se fôssemos às metáforas, talvez o Brasil fosse o nariz e Bolsonaro a zaragatoa infectada de HIV e covid e estupidez.
7) Há uns tempos, surgiram notícias dizendo que Bolsonaro tinha covid. Não sei se lhe afectou os pulmões, mas sei que não lhe deu cabo das capacidades cognitivas, porque não tinha nenhuma há muito.
8) Ainda assim, foi eleito, e isto pode ser um símbolo de esperança, a ascensão de um povo: um bêbedo emborca mais uma caipirinha num boteco e pensa que, se aquele burro sem orelhas chega a presidente, ele também consegue.
9) Há quem diga que isto seria o sonho da democracia a bater numa favela, mas o eleito tem mais ar de ditador.
10) Bolsonaro mostrou-nos o que ainda não sabíamos: dá ideia de que um cretino só pode seguir outro cretino. E, em época de redes sociais, em que toda a gente mostra o lanche e os abdominais, chegamos ao fim do último capítulo da modéstia. Repare-se:
11) Na minha juventude, um idiota era discreto. Sentava-se na última fila, não se confessava incapaz de somar 2+2. Mantinha-se firme na tarefa de jamais pensar por conta própria e nunca se punha a discutir por não ter nada de jeito para dizer.
12) Mas Zuckerberg democratizou o acesso à palavra e assistimos então à incauta explosão do idiota, que não apenas pensa como pensa a coisa errada.
13) Tem um doente sem meio pulmão à frente e consegue ver ali um manco de uma perna, mesmo sem ser míope.
14) Não confia na Organização Mundial de Saúde, porque sabe que temos de confiar no chalupa que vimos na Internet.
15) Ou seja, o arquétipo do idiota apresenta-se a eleições e faz-se presidente.
16) Eu ainda sou do tempo em que os idiotas eram usados apenas como carne para canhão. Eram instrumentalizados pela história, não a faziam de Brasília.
17) Dantes, recusavam-se a pensar, diziam apenas, encolhendo os ombros “Eu não sei”, acrescentando “A Maria é que sabe dessas coisas.” A Maria, claro está, era a melhor da turma. Os idiotas tinham pelo menos a esperteza de tentar copiar por ela nos testes.
18) Hoje em dia, é ao contrário. Os idiotas querem pensar pela Maria.
19) E quando a Maria lhes diz “Estás errado, 2+2 não dá 347”, os idiotas gritam e ululam e pululam, histéricos, chamando-lhe comuna, marxista, patralhada, “Se gosta assim tanto de Cuba, vá viver para lá”.
20) A Maria depois morre de covid porque os idiotas garantiram que covid não existia.
21) Bolsominions dizem que Deus escolheu a hora de Maria.
22) Bolsominions enfileiram-se e são claque. O clube de fãs é a Maria Vieira vezes mil.
23) Ninguém entende o óbvio:
24) É messias, mas não faz milagres.
25) É presidente, mas não resolve nada.
26) É ufano, talvez por ser campeão olímpico, embora de infectados.
27) Já não se via um erro de casting tão grande desde antes de haver castings.