As últimas eleições europeias geraram diversos terremotos políticos por toda a Europa. Na França, Emmanuel Macron viu-se obrigado a convocar eleições legislativas antecipadas perante a esmagadora vitória da extrema-direita de Le Pen. Na Bélgica, o Primeiro-Ministro, Alexander De Croo, anunciou sua demissão após a derrota de seu partido, os Liberais e Democratas Flamengos (Open VLD). Isto é o que se esperava que acontecesse no Estado Espanhol, Núñez Feijóo, líder do Partido Popular, quando há um mês as pesquisas lhe auguravam uma vitória por mais de dez pontos de vantagem sobre o PSOE de Pedro Sánchez. Embora, mais uma vez, Sánchez tenha mostrado sua resiliência e a sua capacidade de reverter as sondagens adversas, repetindo o bom resultado das eleições de 2019 e perdendo para o PP por apenas dois assentos.
Mas, enquanto o PSOE conseguiu manter as posições e evitar a contaminação eleitoral europeia, o seu sócio minoritário de governo, o partido Sumar, parece ter entrado em colapso anunciado. Num novo episódio da crise do então chamado “espaço de mudança”, desde que em 2016 não conseguiu o famoso sorpasso ao PSOE. Desde então, a esquerda não conseguiu digerir sua derrota, germinando uma crise manifestada no seu declínio eleitoral, em tensões organizacionais, no cainismo entre os seus diferentes atores e no desgaste das suas lideranças e partidos. Uma crise agravada pela entrada num governo minoritário com o PSOE num momento de esgotamento do ciclo político das praças e eleitoral das forças anti-neoliberais. Primeiro foi a demissão da liderança de Pablo Iglesias e o declínio do Podemos como a força centrípeta do espaço de mudança. Agora assistimos à semi-renúncia [1] de Yolanda Díaz e à crise do Sumar tanto como organização independente como coligação eleitoral.
Como dizia o velho Marx no 18 de Brumário, a história só se repete duas vezes, primeiro como tragédia e depois como farsa. A oportunidade perdida pelo Podemos e seus aliados, em 2015-2016, de conseguir ultrapassar o PSOE, foi uma autêntica tragédia e, em certa medida, o início do fim do ciclo. Enquanto o Sumar foi a farsa de tentar emular a construção de um Podemos 2.0 e voltar ao cenário político/eleitoral de 2015. Tudo isto com um ciclo político esgotado, a partir da subalternidade com o PSOE, sem nenhuma reflexão crítica sobre a experiência de governo e com uma tentativa, por momentos paródica, de emular e recuperar a participação popular dos inícios do Podemos, reproduzindo muitos de seus rituais formais, mas desligados de uma base popular que lhes dava sentido.
O ciclo eleitoral que, de certa forma, encerra as europeias começa com as eleições municipais e autónomas da Primavera de 2023, onde se verificou nas urnas o óbito do Podemos como a força motriz do espaço político à esquerda do PSOE. Desaparecendo institucionalmente de boa parte dos municípios e da maioria dos parlamentos autónomos, depois de uma legislatura em que havia participado, em minoria, com o PSOE em cinco governos regionais. A queda eleitoral do Podemos, a dispersão das forças da esquerda que concorreram separadamente em muitos municípios e territórios, e a desmobilização do voto progressista favoreceram uma esmagadora vitória do bloco da direita e da extrema-direita que durante vários meses se viu a ocupar o palácio da Moncloa.
A rápida convocação eleitoral, por parte de Sánchez, para o dia 23 de junho, logo após o debacle municipal e autónomo, permitiu-lhe recuperar a iniciativa política colocando um plebiscito entre ele ou um governo com Santiago Abascal, como ministro do Interior. Mobilizando e agrupando boa parte do voto progressista, que voltou ao PSOE como uma questão de autodefesa ante o monstro da extrema-direita. Além disso, ajustou os tempos à sua esquerda, o Sumar partido foi incapaz de se formar a tempo e a coligação do Sumar nasceu com o capital eleitoral de Yolanda Díaz como único cimento, e entre fortes tensões, especialmente com o Podemos, que se recusava a assumir o seu papel subalterno e o veto à sua principal figura, a ministra da Igualdade Irene Montero. As tensões, fraturas, e dores galvanizadas na campanha das eleições gerais exacerbaram um contexto cainiano que marcou a competição eleitoral nas europeias.
Assim que pôde, o Podemos encenou a sua rutura formal com o Sumar, abandonando o grupo político no Congresso e passando a misto. Uma vez fora o Podemos, o Sumar perdeu boa parte do cimento que comportava um inimigo interno consensual como eram os roxos, agravando as tensões entre a diversidade das organizações da coligação, que sempre viram o Sumar como um espaço instrumental, e não como um partido que pudesse chegar a ser um guarda-chuva político das diferentes forças que constituíam a coligação ao estilo do que foi o nascimento da Izquierda Unida (IU).
Assim, enquanto o Sumar chegava à campanha eleitoral das europeias no meio de fortes tensões internas, com o modelo partido/coligação que ficou patente na tortuosa confecção das listas, o Podemos, por sua vez, chegava com a coesão de saber que estava em jogo a sua própria sobrevivência, na eleição de Irene Montero como eurodeputada. Entendendo perfeitamente que a sua vitória não era tanto aspirar aos resultados de 2014 ou 2019, mas sim sobreviver, dessa forma leram melhor que o Sumar o cenário político. O seu espaço era aparecer como a esquerda à esquerda, disputando o voto mais à esquerda, explorando as contradições do governo e marcando um perfil próprio como a única força consequentemente Anti-NATO e Anti-guerra. Desta forma, sem obter nenhum grande resultado (3,28% e duas deputadas), conseguiram reverter os maus resultados de ficarem sem representação na Galiza, Euskadi, que os haviam obrigado a não se apresentarem na Catalunha; tornaram-se o partido à esquerda do PSOE com mais eurodeputados, e voltaram a entrar na disputa do espaço da esquerda. Enquanto o Sumar explodiu numa profunda crise – apesar de obter 200.000 votos e um eurodeputado a mais que o Podemos – por não cumprir as suas expectativas e perder quase cinco pontos percentuais em relação ao resultado da Unidas Podemos em 2019. O Sumar viu-se preso na tenaz do Podemos pela esquerda e Sánchez pela direita, que o deixaram sem um espaço claro (num dia de campanha eram a esquerda, no outro, os verdes), sem discurso e ideias-força, respondendo mais ao Podemos que aparecendo com um perfil próprio, e imerso nas suas disputas internas, marcadas pelas feridas da configuração da lista. Nesse sentido, o último trecho da campanha foi marcado por conseguir o quarto deputado, demonstrando as suas baixas expectativas, para que a IU não ficasse sem representação na Europa pela primeira vez desde sua fundação.
As eleições europeias mostraram todas as fraquezas das forças políticas à esquerda do PSOE, exceto as forças soberanistas bascas e galegas, abrindo uma crise que certamente gerará um novo reordenamento das mesmas já não tanto de acordo com suas forças, mas mais em relação à equivalência das suas fraquezas, e com o governismo subordinado ao PSOE como único cimento. Mas é claro que onde não parecem restar dúvidas é que a experiência do Sumar como partido guarda-chuva morreu e, no melhor dos casos, se converterá em mais uma força da constelação cada vez mais fragmentada da esquerda espanhola.
[1] Yolanda Diaz, no dia depois das eleições europeias, anunciou a sua demissão como líder da coligação de partidos Sumar, apesar de ter esclarecido, posteriormente, que se irá manter na comissão executiva do Sumar e manterá os sus cargos institucionais de vice-presidente e ministra do trabalho.