Rankings de escola: a necessidade de uma problematização ética

No passado dia 16 de junho, foram publicados os (errada e simplificadamente) denominados rankings escolares. Diferentes títulos pululavam na comunicação social, como ‘descubra onde ficou a sua escola’‘melhores alunos estão no norte do país’, ‘a melhor escola do país está a norte’, ‘as piores escolas estão situadas no centro do país’ ou, no estilo faça você mesmo, ‘crie o seu próprio ranking das escolas portuguesas[1]. O mediatismo é inegável, ultrapassa os títulos e é, igualmente, evidenciado pelo número de entrevistas, crónicas, textos jornalísticos, entre outros, que foram também publicados nesses dias. 

Nestes, já rotineiros, períodos de publicação dos rankings, diferentes tendências parecem surgir, numa espécie de tradição mediática que, por algum motivo, importa preservar. Destaco quatro. 

  1. A primeira associa-se à comparação entre os estabelecimentos de ensino público e os estabelecimentos de ensino privado. De acordo com esta perspetiva, as organizações escolares públicas apresentam características específicas, tradicionalmente associadas às particularidades de cada contexto e dos seus estudantes (e famílias), que tornam qualquer comparação com o ensino privado inadequada. Alerto, apenas, que tal postura, ainda que sensível à diferença entre o ensino público e o ensino privado, legitima, mesmo que implicitamente, modos de hierarquização das organizações escolares, desde que seja feita mediante a separação entre colégios e estabelecimentos de ensino público. 
  2. A segunda prende-se com a inadequação das técnicas/instrumentos de recolha de dados e com a insuficiência dos critérios utilizados. É por demais elementar que o ranking das escolas privilegia, predominantemente, os resultados académicos, em especial os resultados dos exames nacionais do Ensino Básico e do Ensino Secundário, como principais critérios de ponderação. Meramente numa discussão técnica, é completamente despropositado considerar que instrumentos que visam avaliar individualmente estudantes possam estabelecer-se como o principal critério para avaliar organizacionalmente escolas. Há, por isso, um sério problema de validade 
  3. Uma terceira linha de divulgação jornalística foca-se nas características de cada organização como meio para explicar as diferenças nos resultados. Esta postura é acrítica em relação aos rankings, tomando-os como um critério da efetiva qualidade das instituições. Assumir que os rankings podem criar normas universais a serem assumidas pelas diferentes escolas traduz-se numa profunda desconsideração das singularidades institucionais de cada organização, da sua história, cultura, comunidade, entre outras. 
  4. A última ideia baseia-se num certo discurso fatalista e derrotista sobre o sistema educativo, em particular orientado para o fracasso da escola pública. Na realidade, este discurso não decorre diretamente da publicação destes rankings, resulta, aliás, da sua instrumentalização, de forma a reforçar os pontos de vista que defendem a liberdade de escolha, e outras posturas similares. De acordo com tal tendência, visa-se, sobretudo, prosseguir com uma crítica ao funcionamento das escolas públicas, considerando que se os resultados dos exames são melhores nas escolas privadas, isso apenas demonstra a superior qualidade destes estabelecimentos. Tal opção discursiva não só opta por legitimar os rankings como um instrumento valioso para a compreensão das realidades educativas, como os inscreve naquilo que são os seus posicionamentos mais amplos. O aproveitamento político, aqui, é inegável, dado que, ao reduzir a reflexão aos lugares cimeiros, procura estabelecer a premissa básica “privado bom, público mau”, ignorando como, nesta listagem hierarquizada, existem diferentes colégios, em múltiplas posições. 

Dada a expressão pública que estes quatro discursos já apresentam, optarei por uma linha de pensamento que, acredito, tem tido menor representatividade: o alicerce ético subjacente a estas publicações. Assumirei como principal propósito a discussão sobre as dimensões éticas subjacentes aos rankings

Que valores se promovem com a publicação de rankings?

Existem vários valores que poderão estar relacionados com tais listas, como o mérito ou a excelência. Contudo, a publicação de uma ordenação hierárquica melhor se associa a um valor em concreto: a competição. O próprio discurso mediático assim o evidencia; lógicas como ‘descubra qual é a melhor escola do país’ ou, ‘onde ficaram as escolas do município no ranking nacional?’ enfatizam esta ideia de competição entre escolas, como se a educação de uma corrida se tratasse – como nota, alerto que esta ideia de corrida se inscreve em opções políticas mais amplas, sendo, talvez, mais evidente no projeto norte-americano Race to the Top, que tem ecos em diferentes países internacionais. 

A opção por graduar individualmente cada escola cria o substrato ideal para as escolas competirem entre si na tentativa de ficarem, simbolicamente, à frente uma da outra. Esta opção conduz, mesmo que de forma implícita, à desvalorização de valores como a colaboração, a solidariedade ou a cooperação. Por esse motivo, necessitamos de estar cientes que a publicação dos rankings legitima a competição e a competitividade como os princípios basilares das práticas educativas, atribuindo uma importância secundária a valores que promovam a interajuda, o comprometimento com causas comuns ou o trabalho em rede. 

Quem beneficia com a sua publicação?

Se os rankings tendem a conduzir ao empobrecimento curricular e a práticas de competitividade entre escolas, o que dificulta um trabalho em rede, quem beneficia com eles? 

Em primeiro lugar, a corrente ideológica dominante, que, através dos rankings, legitima um conjunto de premissas: que é possível medir a qualidade das escolas; que as escolas podem ser hierarquicamente comparáveis; que a educação se resume a resultados quantificáveis; que a educação pública é de pior qualidade; etc. Há, assim, a possibilidade de reforçar tais pressupostos ideológicos, estabelecendo-os como senso comum, dificilmente contrariáveis. 

Em segundo, há um benefício para determinadas organizações escolares. Não sendo necessariamente privadas, as organizações que ficam mais bem colocadas nestas listagens acabam por ser entendidas como as melhores escolas. Esta perspetiva condiciona as preferências das famílias, relativamente às matrículas, que tendem a privilegiar tais estabelecimentos de ensino. 

Em terceiro, a própria comunicação social (assim como as instituições que auxiliam a criação dos rankings), que, na senda de tais publicações, acresce o número de visualizações, de rentabilidade subjacente à publicidade, de vendas, entre outros. 

Nenhuma escola existe no vazio. Nenhuma escola se encontra dissociada de uma comunidade, com desafios e aspirações concretas. Acima de tudo, os estabelecimentos de ensino têm um compromisso maior com esta comunidade. Não é possível criar formas de entender as organizações escolares que não estejam especialmente atentas ao diálogo entre a escola e a sua comunidade. Ignorar esta dimensão escolar representa a tentativa de reconfigurar ontologicamente a escola como uma instituição apenas responsável por resultados académicos, sem responsabilidades educativas, sociais, políticas e éticas mais amplas. 

Voltaremos, em próximo número, à urgência de se estabelecerem modos alternativos à demagogia dos rankings. 


[1] Estes títulos foram inventados, ainda que inspirados na singela realidade jornalística dos dias subsequentes à publicação dos ditos rankings