Redes Sociais: a globalização da adição

Há apenas duas indústrias no mundo que chamam os seus clientes de ‘usuários’: o narcotráfico e a indústria de softwareEdward Tufte

Tal como as substâncias psicoativas, as redes sociais exploram mecanismos neuroquímicos, nomeadamente a libertação de dopamina no sistema de recompensa do cérebro, criando ciclos de dependência que são tanto individuais como coletivos. A analogia entre a adição às redes sociais e a toxicodependência ganha robustez, especialmente tendo em conta como as grandes empresas de tecnologia (big tech) operam como agentes de um capitalismo de vigilância que mercantiliza a atenção e os dados dos utilizadores. Paralelamente, é imperativo que a esquerda ocupe esses espaços digitais, ainda que sem se deixar cooptar pelas suas lógicas perversas, fazendo uma utilização crítica e emancipatória das redes sociais.

1. Redes Sociais e Toxicodependência

As redes sociais não são meras ferramentas de comunicação; são sistemas desenhados para explorar a predisposição humana para a socialização. Ao otimizarem a interação social, estas plataformas afetam a produção de dopamina, um neurotransmissor associado ao prazer e à recompensa, criando um ciclo vicioso de dependência. Este fenómeno é amplificado pela imprevisibilidade das recompensas oferecidas pelas redes sociais — um like, um comentário, uma mensagem — que funcionam como estímulos intermitentes, semelhantes aos mecanismos das slot machines.

Esta dinâmica não é acidental, mas sim o resultado de um design intencional. Os designers das redes sociais recorrem a conhecimentos avançados de psicologia comportamental e neurociência para criar hábitos inconscientes nos utilizadores. Técnicas como o growth hacking — que visa maximizar o engagement e a captação de novos utilizadores — transformam-nos em sujeitos de um vasto experimento social, no qual somos simultaneamente cobaias e produtos.

No entanto, a dependência das redes sociais distingue-se da toxicodependência tradicional pela sua escala global e pela sua normalização social. Desde 2021, mais de metade da população mundial utiliza smartphones, e em algumas regiões, como África, o acesso a smartphones supera o acesso a água potável. Esta omnipresença torna a adição às redes sociais um problema estrutural, que exige uma resposta política e coletiva.

2. Big Tech e Narcotráfico

As grandes empresas de tecnologia operam como os grandes cartéis do narcotráfico: controlam mercados, exploram vulnerabilidades humanas e acumulam poder e capital a uma escala sem precedentes. A atenção dos utilizadores é o produto que vendem, e os dados que recolhem são a matéria-prima que alimenta os seus modelos de negócio. Este processo de mercantilização da atividade humana transforma-nos em recursos de extração, semelhantes a minas de ouro num sistema de capitalismo de vigilância.

A capacidade das big tech para prever e influenciar o comportamento humano é assustadora. Através da recolha massiva de dados, estas empresas constroem modelos preditivos que antecipam as nossas ações com precisão crescente. Mais do que prever, elas têm o poder de moldar subtilmente o que pensamos e como agimos, mercantilizando a própria mudança social. A polarização, por exemplo, é uma estratégia eficaz para captar atenção, pois conteúdos extremistas geram mais engagement.

Esta lógica tem consequências devastadoras, especialmente para os grupos mais vulneráveis, como as crianças e os adolescentes. A parca legislação existente não protege os utilizadores, e o aumento exponencial de casos de automutilação e suicídio entre jovens está diretamente associado ao uso desregulado das redes sociais.

A acumulação de capital por parte das big tech é avassaladora. Em finais de 2024, a capitalização das sete maiores empresas norte-americanas ultrapassou o valor somado de todas as empresas cotadas na bolsa da Grã-Bretanha, Alemanha, Japão e Canadá. Este poder concentrado ameaça não só a democracia, mas também a própria coesão social, criando barreiras invisíveis que fragmentam o tecido social e amplificam o caos político.

3. A Esquerda e as Redes Sociais: Dilemas e Oportunidades

Para a esquerda, as redes sociais representam um paradoxo: são uma ferramenta poderosa para difundir ideias e mobilizar pessoas, mas também um instrumento de controle e alienação. Como podemos ocupar esses espaços sem reproduzir as suas lógicas perversas?

Em primeiro lugar, é essencial adotar um uso crítico e consciente das plataformas. Isso implica reconhecer as suas limitações e riscos, e evitar cair na armadilha do engagement a qualquer custo. A esquerda deve resistir à tentação de simplificar a sua mensagem para se adequar aos algoritmos, mantendo uma comunicação que privilegie a profundidade e a reflexão crítica.

Em segundo lugar, a esquerda deve investir na criação de espaços alternativos e descentralizados, como plataformas cooperativas ou redes baseadas em software livre, que não dependam da lógica do capitalismo de vigilância. Estas alternativas podem servir como laboratórios de experimentação política, onde se desenvolvem práticas democráticas e horizontais que contrastam com a verticalidade das big tech.

A educação política dos militantes é outro pilar fundamental. É preciso formar os activistas para que compreendam os mecanismos de manipulação das redes sociais e possam utilizá-las de forma estratégica, sem se deixarem cooptar. A luta contra as big tech deve ser integrada numa agenda mais ampla de combate ao capitalismo e à mercantilização da vida.

4. Militância nas Redes Sociais

A relação dos militantes com as redes sociais deve ser equilibrada e estratégica. Por um lado, estas plataformas oferecem uma oportunidade única para alcançar um público amplo e diversificado. Por outro, o uso excessivo pode levar à fragmentação das lutas e à desmobilização dos activistas.

Uma abordagem eficaz passa por combinar o ativismo online com o trabalho de base offline. As redes sociais podem ser usadas para divulgar campanhas, organizar eventos e criar comunidades, mas o verdadeiro poder da esquerda radical reside na sua capacidade de construir movimentos sólidos e duradouros fora das lógicas das big tech.

Além disso, é crucial que os militantes desenvolvam uma consciência crítica sobre o papel das redes sociais na desmobilização política. A polarização e a desinformação são armas poderosas que podem minar a coesão dos movimentos sociais. Para combater isso, a esquerda deve investir em educação política e em estratégias de comunicação que promovam o pensamento crítico e a solidariedade.

5. E agora?

As redes sociais são uma ferramenta poderosa, mas perigosa. A esquerda deve utilizá-las com cautela e consciência, reconhecendo os seus riscos e limitações. Ao mesmo tempo, é essencial combater o poder das big tech e construir alternativas que não dependam da lógica do capitalismo de vigilância.

A luta por uma sociedade mais justa e igualitária exige que ocupemos esses espaços sem nos deixarmos controlar por eles. Só através da organização coletiva e da resistência fora das lógicas das redes sociais poderemos construir um futuro verdadeiramente emancipatório.