TAPar o sol com um relatório

A Comissão Parlamentar de Inquérito à Tutela Política da Gestão da TAP (CPI) expôs ao absurdo vários dos mitos da política portuguesa. Do sério ao burlesco, da TAP ao edifício do Ministério das Infraestruturas, houve motivos de interesse para lá das horas de audição em que Galamba demonstrou a sua completa incapacidade para ser ministro.

Mito 1: A maioria absoluta é dialogante e sensata – Só que não! Condicionar as conclusões da CPI é só uma tentativa canhestra de omitir da história o que não sairá da memória do país: há uma empresa de referência que tem sido gerida em função de interesses políticos, de nebulosas relações com capitais privados, para omitir irresponsabilidades governativas e atropelando direitos dos trabalhadores. A maioria absoluta impôs a limpeza ao relatório, autoritária e abusiva.

Mito 2: A TAP vive de dinheiros públicos – Mentira liberal. A TAP esteve desde 1997 sem receber qualquer dinheiro público. Fruto de imposições europeias e decorrente de um plano de reestruturação desencadeado em 1994, foram mais de 20 anos em que o mundo da aviação mudou, no entanto o acionista de referência estava impedido de fazer qualquer capitalização da empresa. O acionista não ajudava, mas ainda complicava: decisões absurdas colocavam a TAP a voar baixinho, das quais é exemplo a aquisição da VEM Brasil realizada em 2006 e cujos impactos financeiros geraram perdas superiores a 1000 milhões de euros e ainda pesam atualmente nas contas da empresa.

Mito 3: A TAP foi privatizada porque precisava de ser capitalizada – Ladainha com pés de barro que a direita repete à exaustão. A direita há muito queria privatizar a TAP. Depois de várias tentativas e planos gorados, a TAP foi privatizada em 2015, negócio concluído depois da queda do Governo de Passos Coelho. A desculpa era a batida, a TAP estava descapitalizada e precisava de ter relação com um grupo de referência. Os privados entraram na TAP pagando esse negócio com dinheiro da própria empresa: o escândalo dos fundos AirBus foi denunciado na CPI, mostrando que a reestruturação de uma encomenda da TAP à AirBus, tendo o empresário David Neeleman como intermediário, deu ao capitalista o dinheiro necessário para fazer a entrada na empresa. Capitalismo subsidiado pelo Estado. A TAP continuou descapitalizada.

Mito 4: O PS considera que o Estado deve ter uma posição estratégica na TAP – Paga, mas não manda. O PS chegou ao poder no final de 2015 com a promessa de recuperar uma posição estratégica na TAP. Negociou esse processo com os privados até 2017, garantindo a David Neeleman os direitos sobre o dinheiro que era da TAP e que ele usou para a sua entrada na empresa. Além disso, o Estado pagou mas ficou sem mandar: assinou um acordo societário em que, apesar de deter 50% do capital da empresa, entregava aos privados a sua gestão. A descapitalização da empresa continuou e agravou-se. Quando a pandemia chegou e criou o caos no setor da aviação, a TAP estava em situação muito

difícil.

Mito 5: Os privados queriam continuar na TAP em 2020, o Estado é que não deixou – Um momento dourado na despedida. Em situação de emergência da TAP, o Governo PS devia ter feito a nacionalização. Não o quis fazer, preferiu pagar a David Neeleman 55 milhões de euros de dinheiro público para a sua saída quando o empresário já tinha reconhecido que não iria colocar sequer um euro na empresa em dificuldades. O dossier, gerido por Pedro Nuno Santos, permitiu a Neeleman ser, provavelmente, o único empresário do setor da aviação que ganhou dinheiro com a pandemia.

Mito 6: O Governo salvou a TAP da destruição – Para a entregar carregada de dinheiro público a um privado. Como contraponto à injeção de capital público em 2020, a Comissão Europeia exigiu a implementação de um plano de reestruturação da empresa. A CPI mostrou que o Governo foi além das obrigações de Bruxelas, cortando mais na TAP e nos seus trabalhadores do que o exigido, e colocando mais dinheiro público do que o necessário. A CPI permitiu identificar que existiu, desde o primeiro momento do plano de reestruturação, a vontade de preparar a empresa para a privatização, sobrecapitalizando-a e destruindo direitos da sua força de trabalho. Capitalismo com patrocínio público.

A CPI TAP valeu a pena para expor o que suspeitávamos e agora o país tem como certeza. Para alertar que a privatização desta empresa estratégica mostra como o PS se torna tão igual à direita, e para confirmar que o poder procura sempre calcar os trabalhadores mesmo quando diz que os está a defender.