A perspetiva importa, por isso, as palavras que se seguem são da responsabilidade de alguém que classifica as cidades suburbanas de Lisboa, lugar onde cresci, onde a diversidade é a norma e a democracia ainda é distante.
Os concelhos periféricos de Lisboa, concelhos como Loures, Odivelas, Amadora, Sintra, Almada, Seixal e Barreiro, foram concelhos que durante os anos 80 e 90 serviram de chão para o boom imobiliário, tanto a nível de construção de casas no âmbito do mercado como a nível de construção de bairros municipais para realojar milhares de pessoas em situação de precariedade habitacional ou em alguns casos, desconstruir bairros auto construídos dentro e ao redor de Lisboa. Esta configuração da habitação em Lisboa fez dos concelhos mencionados lugares com muita diversidade na população. Diversidade etnico-racial e de classe económica que caracteriza bem a ecletização demográfica que compõe muitas das escolas e ruas destas zonas da área metropolitana de Lisboa.
O movimento Vida Justa nasce numa altura de descontentamento alargado na população portuguesa com o aumento do custo de vida causado pela inflação e pela especulação económica. Essa situação foi exponenciada pela ausência de intenção parte do governo de maioria absoluta do PS de qualquer ação que visasse atenuar ou resolver estes problemas na crise que se intensificava na vida das pessoas.
Vários agentes políticos com experiência localizada e associativa em diversos bairros periféricos foram influentes na criação do movimento, dando-lhe uma frente de contestação que foi um espaço de e para pessoas da periferia de Lisboa. Milhares saíram à rua no dia 25 de fevereiro de 2023 e, nesse dia, as ruas tiveram a tal diversidade que é observada na maioria das escolas públicas dos concelhos que foram acima enumerados.
Foi neste dia também que a Vida Justa fez o compromisso de se deixar desdobrar em organizações nos bairros da periferia de Lisboa e assim foi acontecendo. Houve 4 assembleias abertas desde esse momento até à data de hoje e em 3 delas houve um momentos culturais protagonizados por grupos dos respectivos bairros e círculos sociais, inaugurando uma dinâmica de interação entre a cultura local e o debate político.
Esta tentativa de fazer emergir o debate político nas zonas que foram construídas numa dinâmica de isolamento do resto da malha urbana e social é um fenómeno que visa potenciar o sujeito político periférico, isolado, precário, para quem se costuma dizer que o sol nasce mais tarde.
A Vida Justa é assim hoje um movimento que dialoga com uma parte da população que vive e trabalha na àrea metropolitana de Lisboa que tem na sua sociabilização uma génese bairrista, portuguesa e crioula que estaria muito melhor servida se fossem tidas como sujeitos políticos que contam tanto como a classe média ao invés do prato que é servido: baixos salários, falta de transportes públicos, dificuldades a suportar o custo da vida, rendas altas, despejos, degradação dos seus próprios bairros, repressão policial e isolamento.
Há potencial para que a Vida Justa seja uma ferramenta política de empoderamento de várias comunidades. A criação de quadros políticos em sítios que normalmente são deixados à sua sorte poderá ser a chave para que a periferia seja vista com outro olhar. Com o cariz do seu diálogo e iniciativa, o movimento está posicionado numa situação vantajosa para poder ajudar a construir massa crítica em bairros que estão estruturalmente afastados dos setores de influência e de decisão.
É comum encontrar nestas zonas da metropolitana de Lisboa, associações de moradores presentes em bairros municipais e bairros auto construídos, instrumentos importantes na organização das comunidades dos bairros onde estão. São promotoras de várias formas de apoio, desde a cultura à alimentação e a Vida Justa tem mantido diálogo desde o primeiro dia com estas entidades. Estas associações são um intermediário valioso entre o movimento social e as pessoas dos bairros, que vêem nelas um lugar com um potencial eficaz na resolução dos seus problemas.
A Vida Justa é um movimento visto com simpatia de quem está de fora com a ambição de fomentar a representatividade eclética das pessoas que estão dentro. Tem apresentado uma trajetória de integração das pessoas dos bairros e um diálogo natural com pessoas que cresceram em ambientes de diversidade etnico-racial e cultural.
A democracia funciona por adesão. Quando a maioria da população adere a uma ideia, um desejo, uma reivindicação, os governos democráticos correm o risco de se tornar impopulares se não derem ouvidos às inquietações das pessoas. Em Portugal, pessoas com quem a Vida Justa dialoga são a maioria. Em democracia, os problemas resolvem-se com voz, plataforma e representatividade.